sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O Destino Humano (Antroposofia)




Começamos o nosso estudo com uma análise do ser humano e fomos levados, pouco a pouco, a passar em revista toda a evolução espiritual da humanidade para compreender a situação atual do homem.

Voltamos agora ao ponto de partida com a pergunta angustiosa: para que serve essa grandiosa evolução? Se vamos morrer sem dela participar? Para que serviu, no caso do homem pré-histórico, que nem chegou a ter a revelação do seu eu, da sua dignidade humana?

De fato, esse desenvolvimento não teria sentido se o ser humano dela não participasse em todos os seus estágios; não o "ser humano" como abstração, mas cada um de nós.

A necessidade de viver repetidas vezes, isto é, a reencarnação, aparece como um postulado da mais simples lógica.

Já conhecemos a idéia da Antroposofia, segundo a qual a existência humana não é uma única e isolada; devemos investigar, agora, como essas encarnações se encadeiam, como o homem individual toma parte na corrente evolucionista.

Cada época, como já vimos sobejamente, traz uma contribuição ao desenvolvimento humano.

Se existisse somente esse motivo, já seria suficiente para o homem voltar periodicamente à Terra a fim de aprender algo novo.

Mas, além disso, o homem nem sempre "avança" nessa peregrinação.

Como ser imperfeito que é, vítima de mil influêncìas perniciosas, autor de mil ações ou pensamentos negativos que lhe mancham a integridade moral e intelectual, ele deve ter a oportunidade de reparar esses atos e atitudes, sob pena de se deteriorar sempre mais.

Essa oportunidade lhe é oferecida por uma causalidade espiritual, que lhe liga uma vida à outra, e que é designada pelo termo hindu carma.

Carma significa, portanto, destino, no sentido mais amplo.

Nada de espiritualmente relevante fica sem efeito numa vida subsequente, e muito daquilo que nós enfrentamos como destino, aptidões, encontros, predisposições, vivências, e consequência dos nossos atos em vidas anteriores.

Não tudo!

Porque sempre há acontecimentos novos, sem motivação cármica, oriundos de decisões livres ou da necessidade de aprender algo de "novo".

Mas, dirão alguns, não temos uma relação de causa e efeito, que determina o ser humano completamente, sem lhe deixar a mínima liberdade?

Na realidade, a situação é outra.

Eu posso reencontrar uma pessoa com a finalidade de "acertar" uma velha conta cármica.

Mas se, de fato, nas circunstâncias concretas do novo encontro, eu pratico o ato reparador, isso está na minha liberdade.

O meu carma me colocou apenas na possibilidade de fazê-lo; daí o meu novo encontro.

Eu posso nascer surdo-mudo, ou de pais alcoólatras que me maltratam; essa é a situação cármica.

Mas o que faço nessa situação, está na minha autonomia.

Eu posso me revoltar, ou me embrutecer, ou ser um anjo de paciência e de amor: três atitudes que dependem fundamentalmente de mim.

Desta maneira, o destino, que parece um acaso vindo "de fora", foi na realidade preparado por mim.

Eu mesmo, na minha estada nos mundos espirituais, sabia que ia precisar desse destino para me desenvolver.

Junto com os seres espirituais ao meu redor, preparei as circunstâncias da minha futura existência, contra as quais posso mais tarde até me revoltar, devido ao véu terreno que me cega a compreensão.

Vejamos agora algumas situações excepcionais, a título de exemplo, guardando-nos bem de fazer generalizações e simplificações que só poderiam falsear a realidade.

Pelo próprio nascimento estou enfrentando uma importantíssima situação cármica. Com efeito, o fato de nascer em tal família, de tais pais, em tal ambiente, é um destino único, que orientará a minha vida inteira. A hereditariedade, isto é, a carga hereditária dos meus progenitores, determina muitas de minhas qualidades físicas e anímicas: a predisposição para as artes e doenças, o temperamento e muitos aspectos da personalidade os quais, evidentemente, têm uma base corpórea. Mas isso não constitui um acaso; eu mesmo preciso dessas faculdades para viver a minha vida. Isso leva à conclusão de que o homem escolhe os seus pais, afirmação que pode parecer paradoxal e ridícula, aos menos avisados.

Contudo, não somente a família, mas também a cidade, o país, a língua, o povo, a religião dos pais, constituem dados que o homem encontra ao nascer, como se fossem bastidores do primeiro ato de sua vida.

Depois vêm os encontros "fortuitos": professores, colegas de estudos, amigos, o cônjuge, os filhos, outros tantos eus com os quais, ao menos em parte, o indivíduo já conviveu em vidas anteriores, talvez criando situações e, problemas que haviam ficado sem solução.

Há também, em cada vida, circunstâncias que não são ligadas a pessoas.

Por exemplo, as doenças, que podem ter muitos aspectos.

Uma doença pode ser a manifestação física de um defeito da organização astral ou etérica, consequência de uma atitude moral ou mental censurável.

Pode também ser uma "prova", no sentido de um obstáculo. que o homem deve vencer; pode ainda constituir um sacrifício.

Imaginemos uma criança que adoece e até morre, causando à sua mãe uma violenta dor, a qual constitui para ela um "golpe do destino". Podemos imaginar que tal criança, para ajudar sua mãe a ter essa vivência (tão cruel, de acordo com os conceitos da vida comum), renunciou a ter uma encarnação normal e uma vida completa, morrendo jovem.

Tudo são explicações possíveis que o iniciado poderá investigar. Trata-se de um domínio onde o respeito e a serenidade são mais necessários do que nunca. A curiosidade, o sensacionalismo e a precipitação do julgamento devem ser evitados nessa esfera, onde se sente às vezes o dedo da providência divina.

Lembremo-nos sempre de que não vivemos para ser "felizes", no sentido burguês da palavra.

A felicidade de uma vida deve-se medir pelo progresso do indivíduo no caminho da perfeição moral, e não pela soma das cobiças satisfeitas ou pela ausência de desejos.

Haverá quem diga: Mas não sabemos, pelas descobertas médicas, que a maioria das doenças é causada por bacilos?

A relação causal não existiria, pois, entre a vida anterior e a doença, mas sim entre a presença do bacilo e a doença. Isso é exato e inexato ao mesmo tempo. A hereditariedade é a "causa" de certas qualidades minhas, mas na realidade eu sou a "causa" dessa hereditariedade. Da mesma forma, não há muitas doenças sem bacilos; mas o carma faz com que me infeccione com os mesmos. Quantos médicos e enfermeiras, constantemente em contato com doentes contagiosos, nunca pegam a moléstia? Quantas crianças cujos pais as põem na cama dos seus irmãos atingidos por uma doença infantil, "para que todos a tenham de uma vez", não são atingidos pela mesma?

Já foi dito que o ser humano, de um ser criado, passou a ser "criador".

No caso das doenças, ele pode ser um "criador" muito negativo. Pode-se intrometer no carma de outrem, tornando por exemplo a eclosão de uma doença impossível, por uma vacinação preventiva. Esse caso é dos mais complexos.

A arte médica deve naturalmente zelar pela vida e pela saúde dos homens. Mas uma coisa é controlar uma doença para tirar-Ihe os efeitos perigosos, outra é eliminá-la completamente.

Há justamente doenças da infância, como a coqueluche, que têm um sentido cármico, e não devem ser impedidas. Verificamos também, muitas vezes, que uma doença eliminada, por exemplo, por antibióticos (como a pneumonia), volta logo depois ou deixa o corpo fraco e vulnerável.

O médico deveria conhecer o significado de cada doença e, se consegue preveni-la, deveria pensar em proporcionar ao doente outros meios de realizar a tarefa cármica que tinha originalmente como instrumento a doença. Ninguém vai pregar a volta das epidemias de cólera e de peste bubônica; e ninguém vai dizer algo contra a higiene e a prevenção razoável de certas doenças.

Mas talvez Rudolf Steiner não estivesse tão errado quando dizia que a erradicação de certas epidemias só poderia ter sido benéfica para a humanidade em geral se tivesse sido acompanhada de um progresso simultâneo correspondente no campo espiritual.

Não há motivo para reflexão, para quem vê os povos mais "civilizados" e de ambiente mais higiênico (Suécia, Suíça, Estados Unidos) oferecerem uma percentagem cada vez maior de psicopatas, neuróticos e suicidas? Tem-se a impressão de que, muitas vezes, aquilo que procurou uma explosão física sob forma de doença e não mais pode realizá-la, provoca uma "congestão" psíquica.

De qualquer maneira, as doenças contêm mais problemas do que a ciência médica comum sabe, mormente quando considera o corpo humano apenas com a mentalidade de um mecânico encarregado de consertar uma máquina em pane.

As doenças mentais, e em particular a própria demência, têm também um sentido mais profundo do que se quer admitir. O leitor já saberá a essa altura que o eu humano não pode estar demente. O que ocorre é que sua manifestação através dos seus instrumentos corpóreos está impedida ou dificultada. A ligação com o intelecto e com as faculdades anímicas superiores está defeituosa, por motivos que só o clarividente pode analisar em todo o seu significado cármico. Nada mais desumano do que tratar esses pobres doentes como animais, negando-lhes amor e atenção.

Que sabemos nós, seres humanos comuns, da receptividade justamente dessas criaturas, para o carinho e a paciência?

Talvez seja nossa tarefa desenvolver forças de amor para seres como esses; ignorando-os, mandando-os para longe, para maior comodidade de todos, cometemos um crime contra nós mesmos!

Novamente não queremos absolutamente falar contra casas de saúde, onde esses doentes vivem num ambiente de carinho e atenção. Queremos apenas despertar a atenção para o lado "cármico" que muitos fatos podem ter.

O leitor já terá compreendido que acidentes, desgraças, golpes do destino, são, muitas vezes, para as "vítimas", outras tantas oportunidades para mostrar o que realmente valem.

Em cada circunstância, mesmo se o resultado final é inevitável, o homem ainda pode tomar esta ou aquela atitude. Nisso reside a sua liberdade, e não nas ações morais aparatosas e tonitroantes, que são apenas manifestações de vaidade.

Existe também o carma de grupos.

Poderíamos estender-nos muito sobre esse ponto.

Mas não é isso o que importa.

O que convém é acordar para uma nova atitude perante a vida, uma atitude positiva, qualquer que seja a dureza do destino. Devemos libertar-nos do sentimento de fatalismo e de irresponsabilidade, aceitando o destino não como um acaso ou punição, ou ainda como um divertimento dos deuses, mas como um meio importante que as hierarquias superiores nos deram, a nós, as próprias vítimas do destino, para melhor aproveitar a nossa vida.

Com efeito, somos autores ou pelo menos co-autores do nosso próprio destino.

O verdadeiro antropósofo dirá, ao enfrentar qualquer golpe do destino:

"Essa experiência eu mesmo a preparei, para o meu próprio bem!"




Texto de R. Lanz
Sociedade Antroposófica Brasileira