segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A Natureza do Homem (Antroposofia) / Parte 2/2



Imagine-se o homem recebendo impressões de todos os lados.

É preciso imaginá-lo como fonte da mencionada atividade voltado, ao mesmo tempo, para todos os lados dos quais ele receba essas impressões.

Para todos os lados as sensações respondem às impressões.

Essa fonte de atividade deverá chamar-se alma da sensação.

Esta alma da sensação é tão real quanto o corpo físico.

Se um homem está diante de mim e eu faço abstração de sua alma da sensação, representando-o na mente meramente como corpo físico, é o mesmo que, de um quadro, eu representar mentalmente apenas a tela.

Quanto à percepção da alma da sensação, cabe também dizer algo similar ao que já foi dito sobre o corpo etérico.

Os órgãos físicos são ‘cegos’ com relação a ela; igualmente o é o órgão pelo qual a vida é percebida como vida.

Contudo, assim como o corpo etérico é visto por meio desse órgão, o mundo interior das sensações pode transformar-se, mediante um órgão ainda mais elevado, num tipo especial de percepções supra-sensíveis.

Então o homem não apenas recebe as impressões dos mundos físico e vital sob forma de sensações, mas vê as sensações.

Diante de uma pessoa dotada de tal órgão, o mundo das sensações de um outro ser se apresenta como uma realidade exterior.

E preciso distinguir entre vivenciar o próprio mundo das sensações e contemplar o mundo das sensações de um outro ser.

Perscrutar o próprio mundo das sensações é, naturalmente, possível a todo e qualquer ser humano; mas enxergar o mundo das sensações de um outro ser só é possível a umvidente com os ‘olhos espirituais’ abertos.

Sem ser vidente, o homem só conhece o mundo das sensações como experiências interiores, como as próprias vivências ocultas de sua alma; com os olhos espirituais’ abertos, reluz ante a visão espiritual externa o que normalmente só vive ‘no íntimo’ do outro ser.

*** A fim de prevenir mal-entendidos, seja aqui expressamente dito que o vidente não experimenta em si a mesma coisa que o outro ser tem como conteúdo de seu mundo das sensações.

Esse outro ser experimenta as sensações do ponto de vista de seu interior — o vidente percebe uma revelação, uma exteriorização do mundo das sensações.

Com relação à sua atividade, a alma da sensação depende do corpo etérico — pois extrai dele o que fará luzir como sensação; e como o corpo etérico é a vida dentro do corpo físico, a alma da sensação também depende indiretamente deste último.

Só em olhos sadios e bem formados são possíveis sensações adequadas das cores.

É desse modo que a corporalidade atua sobre a alma da sensação.

Portanto, em sua atividade esta última é determinada e limitada pelo corpo; ela vive dentro dos limites que lhe são traçados pela corporalidade.

O corpo é, pois, construído com as substâncias minerais e vivificado pelo corpo etérico, sendo que ele próprio limita a alma da sensação.

Portanto, quem possui o já citado órgão para ‘ver’ a alma da sensação constata que esta é limitada pelo corpo.

Porém os limites da alma da sensação não coincidem com os do corpo físico.

Essa alma ultrapassa o corpo físico.

Disso se conclui que ela mostra ser mais potente do que ele.

Porém a força que lhe impõe os limites procede do corpo físico.

Com isso se interpõe entre os corpos físico e etérico, de um lado, e a alma da sensação, de outro, mais um componente especial da entidade humana: o corpo anímico ou corpo das sensações.

Poder-se-ia também dizer que uma parte do corpo etérico é mais sutil do que a outra, formando uma unidade com a alma da sensação, enquanto a parte mais densa forma uma espécie de unidade com o corpo físico.

Todavia, como já foi dito, a alma da sensação ultrapassa o corpo anímico.

O que aqui é denominado sensação é somente uma parte do ser anímico.

(O termo ‘alma da sensação’ foi escolhido a bem da simplicidade.)

Às sensações se juntam os sentimentos de prazer e desprazer, os impulsos, os instintos, as paixões.

Tudo isso traz o mesmo caráter de vida própria que as sensações, e depende, como elas, do corpo físico.

*** Tal qual com o corpo, a alma da sensação entra em interação também com o pensar, com o espírito.

Antes de tudo, ela é servida pelo pensar.

O homem elabora pensamentos sobre suas sensações, esclarecendo-se com isso sobre o mundo exterior.

A criança que se queimou reflete e chega ao seguinte pensamento: “Fogo queima.”

Tampouco aos seus impulsos, instintos e paixões o homem obedece de modo cego; sua reflexão proporciona a oportunidade para que ele possa satisfazê-los.

O que se denomina civilização material encaminha-se inteiramente nessa direção, consistindo nos serviços que o pensamento presta à alma da sensação.

Incomensuráveis quantidades de energias mentais são direcionadas para essa meta.

É a energia mental que tem construído navios, ferrovias, telégrafos, telefones; e tudo isso serve, em sua maior parte, à satisfação das necessidades das almas da sensação.

E similarmente ao modo como a força vital plasmadora impregna o corpo físico que a força pensante impregna a alma da sensação.

A força vital plasmadora liga o corpo físico a ascendentes e descendentes, situando-o assim num conjunto de leis que em nada concernem à simples mineralidade.

Da mesma maneira, a força pensante insere a alma num conjunto de leis ao qual ela, como simples alma da sensação, não pertence.

Por intermédio da alma da sensação, o homem é afim com os animais.

Também entre os animais observamos a existência de sensações, impulsos, instintos e paixões.

Porém o animal os segue imediatamente; aqui eles não estão entremeados porpensamentos autônomos, que ultrapassem a experiência imediata.

Na pessoa inculta esse também é, até certo ponto, o caso.

A simples alma da sensação é, portanto, diversa do membro anímico desenvolvido e superior que coloca o pensar a seu serviço.

Denomine-se alma do intelecto essa alma servida pelo pensar.

Poder-se-ia chamá-la também de alma da índole ou [simplesmente] índole.

A alma do intelecto permeia a alma da sensação.

Quem possui o órgão para ‘ver’ a alma observa a alma do intelecto como uma entidade especial diante da simples alma da sensação.

*** Pelo pensar o homem é alçado acima de sua vida própria, adquirindo algo que transcende sua alma.

Para ele, é evidente a convicção de que as leis do pensamento estão em sintonia com a ordem universal.

Pelo fato de essa sintonia existir, ele se considera cidadão do Universo.

Essa sintonia é um dos importantes fatos que propiciam ao homem o conhecimento de sua própria natureza.

Em sua alma, o homem busca a verdade; e por meio desta verdade exprimem-se não somente a alma, mas também as coisas do mundo.

O que é reconhecido como verdade pelo pensar possui um significado independente, relativo às coisas deste mundo, e não somente à própria alma.

A alegria que experimento ao contemplar o céu estrelado é algo subjetivo; mas os pensamentos que formo sobre as órbitas dos corpos celestes têm, para o pensar de qualquer outra pessoa, o mesmo significado que para mim.

Seria absurdo falar de minha alegria se eu próprio não existisse; mas não seria igualmente absurdo falar de meus pensamentos sem referência a mim — pois a verdade que eu hoje penso era tão verdadeira ontem quanto o será amanhã, embora somente hoje eu me ocupe dela.

Se um conhecimento me proporciona alegria, esta só tem significação enquanto vive em mim; a verdade do conhecimento tem seu significado totalmente independente dessa alegria.

Ao captar a verdade, a alma se liga a algo que tem seu valor intrínseco — e esse valor não desaparece com a sensação da alma, nem tampouco teve origem nela.

O que realmente é verdade não nasce nem perece; tem um significado que não pode ser destruído.

Isso não contradiz o fato de algumas ‘verdades’ humanas terem um valor transitório, por serem reconhecidas em apenas certo momento, como erros parciais ou totais.

Ora, o homem deve reconhecer que a verdade, afinal, consiste em si mesma, embora seus pensamentos sejam apenas formas perecíveis de manifestação das verdades eternas.

Quem — como Lessing — diz satisfazer-se com a eterna busca da verdade, já que a verdade plena e pura só poderia existir para um deus, tampouco nega o valor eterno da verdade, e sim o confirma com tal declaração pois só o que traz em si um significado eterno pode provocar uma aspiracão eterna em sua direcão.

Se a verdade não fosse autônoma por si, se recebesse seu valor e seu significado mediante a sensibilidade da alma humana, então não poderia constituir meta única para todos os homens.

Querendo aspirar à verdade, o homem lhe reconhece a natureza autônoma.

E o mesmo que sucede com o verdadeiro sucede também com o verdadeiramente bom.

O moralmente bom independe de inclinações e paixões na medida em que não se deixa dominar por elas, e sim as domina.

Agrado ou desagrado, desejo ou repulsa pertencem à alma individual do homem; o dever está acima de agrado e desagrado; pode situar-se tão alto para o homem que este sacrifique a vida por ele.

E o homem situa-se tanto mais alto quanto mais haja enobrecido suas inclinações, seu agrado e desagrado, a ponto de cumprir, espontaneamente, sem constrangimento e sem submissão, o que reconhece como seu dever.

O moralmente bom, tal como a verdade, traz inerente seu valor eterno, e não o recebe por meio da alma da sensação.

Fazendo reviver em seu próprio íntimo o que por si é verdadeiro e bom, o homem se eleva acima da mera alma da sensação.

O espírito eterno penetra-a com seu esplendor, e nela se acende uma luz que é imperecível.

Na medida em que vive nesta luz, a alma participa de algo eterno, ligando a este sua própria existência.

O que a alma traz em si de verdadeiro e bom é imortal nela.

O que refulge dentro da alma como algo eterno será denominado aqui alma da consciência.

De consciência também se pode falar ao referir os impulsos inferiores da alma.

A mais corriqueira sensação é objeto da consciência.

Nessa medida, a consciência também compete aos animais.

O cerne da consciência humana — portanto, a alma dentro da alma — é sub entendido aqui como alma da consciência.

A alma da consciência é diferenciada aqui da alma do intelecto como mais um membro anímico autônomo.

Esta última está ainda entrosada nas sensações, nos impulsos, afetos e assim por diante.

Toda pessoa sabe o quanto, para ela, inicialmente vale como verdadeiro aquilo tem preferência em suas emoções, etc.; contudo, só é permanente aquela verdade que se desprendeu de todo e qualquer resquício de tais simpatias e antipatias das emoções e assim por diante.

A verdade é verdadeira mesmo quando todos os sentimentos pessoais se levantam contra ela.

A parte da alma onde vive esta verdade deve ser denominada alma da consciência.

Tal como no corpo, caberia, portanto, distinguir na alma três componentes:

a alma da sensação,

a alma do intelecto e

a alma da consciência;

e assim como, de baixo para cima, a corporalidade exerce sobre a alma uma açãol imitante , a espiritualidade atua de cima para baixo exercendo sobre ela uma ação ampliadora; pois quanto mais a alma se preenche de verdade e bondade, tanto mais o eterno se torna, nela, amplo e abrangente.

Para quem consegue ‘enxergar’ a alma, o esplendor que emana do homem devido ao crescimento de sua parte eterna é tão real quanto o é, para os olhos, a luz que irradia de uma chama.

Para o ‘vidente’, o homem corpóreo é somente uma parte do homem total.

O corpo é a mais densa configuração em meio a outras, que o permeiam e se interpenetram mutuamente.

Como uma forma vital, o corpo físico preenche o corpo astral; ultrapassando este último em todas as direções, reconhece-se o corpo anímico (figura astral); e por sua vez, ultrapassando este último, a alma da sensação e depois a alma do intelecto, que se torna tanto maior quanto mais tenha assimilado de verdade e bondade.

É que essa parcela de verdade e bondade ocasiona a ampliação da alma do intelecto.

Uma pessoa que vivesse meramente para atender às suas inclinações, seus agrados e desagrados, teria uma alma do intelecto cujos limites coincidiriam com os de sua alma da sensação.

Essa figura em meio à qual o corpo fisico aparece como que numa nuvem - pode ser designada como aura humana.

É em função dela que a ‘essência do homem’ se enriquece ao ser observada conforme procuramos descrever neste livro.

Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781). (N.T.)

*** No decorrer da evolução infantil, surge na vida do homem o momento em que pela primeira vez ele se sente um ser autônomo perante todo o resto do mundo.

Para pessoas sensíveis, esta é uma vivência significativa.

O poeta Jean Paul relata, em sua autobiografia:

Jamais esqueço o fenômeno ocorrido comigo - e ainda não relatado a ninguém - no momento em que assisti ao nascimento de minha autoconsciência, e até sei precisar a data e o lugar.

Certa manhã, em minha tenra infância, eu me encontrava sob a porta fronteira de minha casa e olhava para um monte de lenha à esquerda quando, repentinamente a visão interior “eu sou um eu” me golpeou como um relâmpago dos céus e desde então permaneceu indelevelmente impressa: meu eu havia visto a si mesmo pela primeira vez e para sempre.

Dificilmente se pensaria aqui em ilusões da memória, pois nenhum relato estranho poderia mesclar-se a um evento ocorrido simplesmente no mais sagrado recôndito do homem, evento que só por sua novidade pudesse ficar na memória, com todos os detalhes secundários das circunstâncias do momento.

É sabido que as crianças pequenas dizem de si mesmas “Carlos é bonzinho”, “Maria quer isto”.

Acha-se natural que elas falem de si tal qual falam de outros, pois ainda não se tornaram conscientes de sua entidade autônoma, ainda não nasceu nelas a autoconsciência.

Pela autoconsciência o homem se designa como um ser autônomo, separado de tudo o mais, como “eu”.

No ‘eu’ o homem concentra tudo o que ele vivencia como entidade corpórea e anímica.

Corpo e alma são portadores do eu; é neles que o eu atua.

Assim como o corpo físico tem seu centro no cérebro, a alma tem seu ponto central no eu.

Para as sensações, o homem é estimulado de fora; os sentimentos se fazem valer como efeitos do mundo exterior; a vontade relaciona-se com o mundo de fora, pois se realiza em ações exteriores.

O eu, como a genuína entidade do homem, permanece totalmente invisível.

É por isso que Jean Paul, bem a propósito, denomina a conscientização do eu como “um evento ocorrido simplesmente no mais sagrado recôndito do homem”, pois com seu eu o homem está completamente só.

Esse eu é o próprio homem.

Isto lhe dá direito a considerar esse eu como sua verdadeira entidade.

Portanto, ele pode chamar seu corpo e sua alma de ‘invólucros’ dentro dos quais vive, podendo designá-los como condições corpóreas para seu agir.

No decorrer de seu desenvolvimento, ele aprende cada vez mais a utilizar esses instrumentos como servidores do seu eu.

A palavrinha ‘eu’, como, por exemplo, é empregada na língua alemã [Ich], é um nome que se distingue de todos os demais.

Quem reflete adequadamente sobre a natureza desse nome tem, com isso, acesso ao conhecimento da entidade humana num sentido mais profundo.

Todas as pessoas podem aplicar, de maneira igual, cada nome ao objeto correspondente.

Cada uma pode chamar a mesa de ‘mesa’, a cadeira de ‘cadeira’.

O mesmo já não ocorre com o nome ‘eu’.

Ninguém pode utilizá-lo para designar outra pessoa; cada um só pode chamar a si mesmo de ‘eu’.

Nunca a palavra ‘eu’ pode chegar de fora ao meu ouvido quando esta designação se refere a mim.

Só de dentro para fora, por si própria, a alma pode denominar-se ‘eu’.

Portanto, quando o homem diz ‘eu’ referindo-se a si, começa a falar dentro dele algo que nada tem a ver com nenhum dos mundos dos quais procedem os ‘invólucros’ mencionados até agora.

O eu torna-se cada vez mais senhor do corpo e da alma.

Também isso se expressa na aura.

Quanto mais o eu é senhor de seu corpo e de sua alma, tanto mais complexa, multifária, multicolorida é a aura.

O efeito do eu sobre a aura pode ser observado pelo ‘vidente’.

O eu propriamente dito também é invisível para ele, pois está realmente no “no mais sagrado recôndito do homem”.

Porém o eu absorve os raios da luz que refulge no homem como luz eterna.

Assim como este concentra no eu as vivências do corpo e da alma, ele também faz afluir para o eu os pensamentos de verdade e bondade.

Por um lado manifestam-se ao eu os fenômenos sensoriais, e, por outro, o espírito.

O corpo e a alma se entregam ao eu para servi-lo; o eu, porém, entrega-se ao espírito para que este o preencha.

O eu vive no corpo e na alma, mas o espírito vive no eu; e o que de espírito existe no eu é algo eterno pois o eu recebe essência e valor daquilo a que está ligado.

Enquanto vive no corpo físico, ele está sujeito às leis minerais; por meio do corpo etérico, às leis da reprodução e do crescimento; por meio das almas da sensação e do intelecto, às leis do mundo anímico; e na medida em que acolhe o espiritual, subordina-se às leis do espírito.  

Jean Paul é pseudônimo do escritor alemão Johann Friedrich Richter (1763—1825). A experiência a seguir foi descrita pela primeira vez em Wahreit aus Jean Pauls Leben. Kindheitsgescchicht von ihm selbst geschrieben [3 cadernos em 2 volumes] (Breslau, 1826—1828), cad. 1, p. 53) (N.E. orig.) 

O que é plasmado pelas leis minerais, pelas leis vitais, nasce e perece; o espírito, porém, nada tem a ver com nascimento e perecimento.

*** O eu vive na alma.

Embora a mais elevada manifestação do eu pertença à alma da consciência, ainda assim se deve dizer que esse eu, irradiando de lá, inunda a alma inteira e, por meio dela, exterioriza seu efeito sobre o corpo; e é no eu que o espírito é vivo e atuante.

O espírito irradia para dentro do eu fazendo dele seu ‘envoltório’, do mesmo modo como o eu vive no corpo e na alma tendo-os como seus ‘envoltórios’.

O espírito forma o eu de dentro para fora e o mundo mineral de fora para dentro.

Denomine-se ‘identidade espiritual’ o espírito que forma um eu e vive como tal, porque ele se manifesta como ‘eu’ ou self do homem.

A diferença entre a ‘identidade espiritual’ e a ‘alma da consciência’ pode ser definida do seguinte modo: a alma da consciência toca a verdade, existente por si mesma e independente de qualquer antipatia e simpatia; a identidade espiritual contém em si a mesma verdade, porém assimilada e encerrada pelo eu individualizada por ele e acolhida na entidade autônoma do homem.

É pelo fato de a verdade se individualizar assim e vincular-se ao eu, formando uma entidade única, que o próprio eu alcança a eternidade.

A identidade espiritual é uma revelação do mundo espiritual no interior do eu, da mesma forma como dentro dele a impressão sensorial é uma manifestação do mundo físico.

No que é vermelho, verde, claro, escuro, duro, mole, quente ou frio, reconhecem-se as manifestações do mundo corpóreo; no que é verdadeiro e bom, as manifestações do mundo espiritual.

No mesmo sentido em que a manifestação do mundo corpóreo é chamada de sensação, seja a manifestação do mundo espiritual denominada intuição.

O mais simples pensamento já contém intuição, pois não se pode apalpá-lo com as mãos nem vê-lo com os olhos: é preciso receber sua revelação vinda do espírito, através do eu.

Quando um homem pouco evoluído e outro evoluído contemplam uma planta, o que se passa no eu de um é totalmente diverso do que se passa no eu do outro, embora as sensações de ambos sejam despertadas pelo mesmo objeto.

A diferença reside no fato de um poder formar pensamentos muito mais perfeitos do objeto do que o outro.

Se os objetos só se manifestassem pela sensação, não poderia haver progresso algum na evolução espiritual.

Um selvagem também é sensível à natureza; porém as leis da natureza só se descortinam aos pensamentos fecundados pela intuição, próprios do homem superiormente [espiritualmente] evoluído.

A criança também sente os estímulos do mundo exterior como impulsos da vontade, mas os imperativos do que é moralmente bom só lhe ficam patentes no decorrer de seu desenvolvimento, à medida que ela aprende a viver no espírito e a compreender sua revelação.

Assim como sem olhos não haveria sensações de cores, sem o pensamento superior da identidade espiritual não haveria intuições; e do mesmo modo como a sensação não cria a planta em que se manifesta a cor, tampouco a intuição cria o espiritual: o que ela faz é, muito mais, anunciá-lo.

Pelas intuições, o eu do homem que desponta na alma capta as mensagens do alto, do mundo espiritual, do mesmo modo como, por meio das sensações, recebe as mensagens do mundo físico.

Com isso integra o mundo espiritual na vida própria de sua alma do mesmo modo como, por meio dos sentidos, integra o mundo físico.

A alma, ou o eu que nela refulge, abre suas portas para dois lados: para o lado do corpóreo e para o do espiritual.

Ora, assim como o mundo físico só pode anunciar-se ao eu por construir, com suas próprias substâncias e forças, um corpo em que a alma consciente possa viver e dentro do qual ela possua seus órgãos para a percepção do mundo físico exterior, assim também o mundo espiritual constrói, com suas forças e substâncias espirituais, um corpo espiritual em que o eu possa viver e perceber o mundo espiritual por meio de intuições.

(É evidente que os termos substância espiritual e corpo espiritual, tomados literalmente, contêm uma contradição. Eles só devem ser utilizados para evocar no pensamento o que no mundo espiritual corresponde ao corpo físico.)

Da mesma maneira como dentro do mundo físico os corpos humanos individuais são formados como entidades distintas, assim o são dentro do mundo espiritual os corpos espirituais.

Também ali, tal qual no mundo físico, existe para o homem um ‘fora’ e um ‘dentro’.

Do mesmo modo como assimila as substâncias do ambiente físico e as elabora em seu corpo físico, o homem absorve o elemento espiritual no ambiente espiritual e o transforma em seu próprio.

Al. Geistselbst, usualmente traduzido também, em textos antroposóficos, como ‘personalidade espiritual’. (N.T.)

O espiritual é o alimento eterno do homem; e do mesmo modo como nasceu do mundo físico, o homem nasce igualmente do espírito por meio das eternas leis do verdadeiro e do bom.

Ele se acha separado do mundo espiritual circundante tal qual, como ser autônomo, está separado de todo o mundo físico.

Chamemos esta identidade espiritual independente de ‘homem-espírito’.

Examinando o corpo físico do homem, encontraremos nele as mesmas substâncias e forças que existem fora dele no restante do mundo físico.

O mesmo se dá com o homem-espírito.

Os elementos do mundo espiritual circundante pulsam dentro dele, e em seu interior atuam as forças do mundo espiritual restante.

Tal como na derme física se acha encerrado um ser vivo e sensível, assim também ocorre no mundo espiritual.

Chamemos a derme espiritual que separa o homem-espírito do mundo espiritual unitário - tornando-o, lá dentro, um ser autônomo que vive por si e intuitivamente percebe o conteúdo espiritual do mundo — de envoltório espiritual (envoltório áurico); mas é preciso fixar na mente que essa ‘derme espiritual’ se expande continuamente com o progressivo desenvolvimento do homem, de modo que a individualidade espiritual do homem (seu envoltório áurico) é capaz de um crescimento ilimitado.

Dentro desse envoltório espiritual vive o homem-espírito.

Este é construído pela força vital espiritual no mesmo sentido em que o é o corpo físico pela força vital física.

Do mesmo modo como se fala de um corpo etérico, deve-se, pois, falar de um espírito etérico com relação ao homem espiritual.

Chamemos esse espírito etérico de espírito vital.

A entidade espiritual do homem consiste, pois, em três partes: homem-espírito, espírito vital e identidade espiritual.

Para o ‘vidente’ nas esferas espirituais, essa entidade espiritual do homem, com o parte superior — genuinamente espiritual — da aura, é uma realidade perceptível.

Ele ‘vê’, dentro do envoltório espiritual, o homem-espírito como espírito vital; e ‘vê’ também como esse espírito vital vai crescendo à medida que absorve o alimento espiritual do mundo espiritual circundante.

Além disso vê como, por meio dessa assimilação, o envoltório espiritual se expande continuamente — como o homem-espírito vai-se tornando cada vez maior.

A visão espacial desse ‘crescimento’ constitui, naturalmente, apenas uma imagem da realidade.

Não obstante, a alma, ao ter a representação dessa imagem, direciona-se para a realidade espiritual correspondente.

A diferença existente no homem entre a entidade espiritual e a física é que esta última possui um tamanho limitado, ao passo que a primeira pode crescer ilimitadamente.

O que é assimilado como alimento espiritual possui, na verdade, valor eterno.

Portanto, a aura humana se compõe de duas partes que se interpenetram; uma delas recebe sua cor e sua forma da existência humana física e a outra da vida espiritual do homem.

O eu marca a separação entre ambas, porque o físico tem a característica deentregar-se e construir um corpo capaz de fazer despontar em si um na alma; o eu, por sua vez, entrega-se fazendo surgir em si o espírito, que de seu lado permeia a alma e lhe indica a meta no mundo espiritual.

Por meio do corpo, a alma encontra-se confinada no mundo físico; por meio do homem- espírito, crescem-lhe asas para a movimentaçao no mundo espiritual.

*** Querendo-se compreender o homem inteiro, deve-se concebê-lo integrado pelas partes mencionadas.

O corpo se constrói utilizando substâncias do mundo físico, de modo que esta construção fica subordinada ao eu pensante.

Ele é permeado por força vital, transformando-se assim em corpo etérico ou vital.

Como tal, abre-se para o mundo exterior nos órgãos sensíveis e transforma-se em corpo anímico.

Este é permeado pela alma da sensação, que passa a formar uma unidade com ele.

A alma da sensação não se limita a receber, sob forma de sensações, as impressões do mundo exterior; ela tem sua própria vida, que é fecundada pelo pensamento tanto quanto pelas sensações, transformando-se assim em alma do intelecto.

Ela é capaz disso porque ‘se abre tanto para cima, às intuições, quanto para baixo, às sensações — sendo, assim, alma da consciência.

Isso é possível porque o mundo espiritual esculpe nela o órgão da intuição, tal como o corpo físico lhe forma os órgãos dos sentidos.

O espírito transmite as intuições pelo órgão intuitivo tal qual os sentidos transmitem as sensações pelo corpo anímico.

Assim sendo, o homem-espírito encontra-se unido à alma da consciência do mesmo modo como o corpo físico se acha ligado à alma da sensação no corpo anímico.

Alma da consciência e identidade espiritual formam uma unidade.

E nesta unidade que vive o homem-espírito como espírito vital, da mesma forma como o corpo etérico constitui, para o corpo anímico, a base vital corpórea.

E assim como o corpo físico é confinado na derme física, o homem-espírito o é no envoltório espiritual.

A constituição do homem completo resulta, pois, no seguinte:

A. Corpo físico

B. Corpo etérico ou vital

C. Corpo anímico

D. Alma da sensação

E. Alma do intelecto

F. Alma da consciência

G. Identidade espiritual

H. Espírito vital

I. Homem-espírito

Corpo anímico (C) e alma da sensação (D) constituem uma unidade no homem terreno; do mesmo modo, a alma da consciência (F) e a identidade espiritual (G). —

Com isto resultam, pois, sete partes no homem terreno:

1. O corpo físico

2. O corpo etérico ou vital

3. O corpo anímico-sensitivo

4. A alma do intelecto

5. A alma da consciência plenamente espiritualizada

6. O espírito vital

7. O homem-espírito

É na alma que o eu lampeja, recebendo o impacto do espírito e tornando-se, portanto, veículo do homem-espírito.

Com isso o homem participa dos ‘três mundos’ (físico, anímico e espiritual).

Ele se acha arraigado no mundo físico pelos corpos físico, etérico e anímico, desabrochando no mundo espiritual com a identidade espiritual, o espírito vital e o homem-espírito.

Porém o tronco, que por um lado se arraiga e por outro floresce, é a própria alma.

É possível, em coerente harmonia com esta constituição do homem, apresentá-la também numa forma mais simples.

Embora o eu do homem resplandeça na alma da consciência, nem por isso ele deixa de impregnar todo o ser anímico.

As partes desse ser anímico não são nitidamente separadas, como os membros corpóreos; elas se interpenetram num sentido mais elevado.

Compreendendo-se as almas do intelecto e da consciência como dois envoltórios interdependentes do eu, e este como cerne delas, o homem pode ser articulado em:

corpo físico,

corpo vital,

corpo astral e

o eu.

Com a expressão ‘corpo astral’ fica indicado o conjunto representado pelo corpo anímico e a alma da sensação.

O termo é encontrado já na literatura mais antiga, sendo aqui aplicado à parte do ser humano que transcende a natureza acessível aos sentidos.

Embora a alma da sensação seja, de certo modo, fortalecida pelo eu, ela se acha em tal relação com o corpo anímico que para ambos, tomados em conjunto, bem se justifica um termo único.

Ora, quando o eu se faz permear pela identidade espiritual, esta se manifesta de modo que o corpo astral seja transformado a partir do campo anímico.

No corpo astral atuam inicialmente, na medida em que são experimentados, os instintos, cobiças e paixões do homem; aí atuam também as percepções sensórias.

Estas surgem por intermédio do corpo anímico como uma parcela do homem advinda do mundo exterior.

Os instintos, cobiças, paixões, etc. nascem na alma da sensação na medida em que esta é revigorada por seu interior antes que esse interior se haja entregue à identidade espiritual.

Se o eu se faz permear pela identidade espiritual, a alma, por sua vez, fortalece o corpo astral com essa identidade espiritual.

Isso se expressa no fato de os instintos, cobiças e paixões serem ‘transiluminados’ pelo que o eu recebeu do espírito.

Em virtude de sua participação no mundo espiritual, o eu torna-se, portanto, senhor do mundo dos instintos, cobiças, paixões, etc.

A medida que isso ocorre, a identidade espiritual vai despontando no corpo astral; e este, por sua vez, é transformado por esse processo.

O próprio corpo astral aparece, então, como uma entidade dupla, em parte não-transformada e em parte transformada.

Assim, pode-se designar a identidade espiritual, tal qual se manifesta no homem, como sendo o corpo astral transformado.

Algo semelhante se processa no homem quando este acolhe no próprio eu o espírito vital.

Então o corpo vital se transforma, sendo permeado pelo espírito vital.

Este se manifesta de modo que o corpo vital passe a ser outro.

Daí se poder dizer também que o espírito vital é o corpo vital transformado.

E o eu, ao absorver o homem-espírito, recebe com isso a poderosa força para permear com ele o corpo físico.

É natural que a porção do corpo físico que esteja assim transformada não possa ser percebida com os sentidos físicos.

É justamente essa porção espiritualizada que, no corpo físico, se tornou homem-espírito.

Agora ela existe, para a percepção sensorial, como algo sensório; e na medida em que esteja espiritualizado, esse algo deve ser percebido por faculdades cognitivas espirituais.

Aos sentidos externos, também a parte física impregnada pelo espiritual só se manifesta sensorialmente.

Com base em tudo isso, pode-se também apresentar a seguinte composição do homem:

1. Corpo físico

2. Corpo vital

3. Corpo astral

4. Eu, como cerne da alma

5. Identidade espiritual, como corpo astral transformado

6. Espírito vital, como corpo vital transformado

7. Homem-espírito, como corpo físico transformado.


Fonte:
Teosofia
Rudolf Steiner

Tradução:
Daniel Brilhante de Brito
Jacira Cardoso
scribd

Fonte da Imagem:
Human Nature by cyKoe