terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Os Campos Morfogenéticos de Rupert Sheldrake - Parte 2/2




A Evolução dos Campos Morfogenéticos

Os tipos de teorias relativos aos campos morfogenéticos que acabamos de considerar influenciaram grandemente a investi­gação contemporânea e fornecem a via mais promissora de mo­delização dos processos de morfogênese.

Mas, durante mais de sessenta anos, estes campos existiram em um limboteórico. Parecem ser novos tipos de campos ainda desconhecidos em fí­sica, mas, ao mesmo tempo, não são novos tipos de campos, ou apenas palavras que se referem a regularidades que podemos descrever e modelizar.

Julgo que é possível ultrapassar estas ambigüidades frus­trantes tendo em conta um dos traços mais essenciais destes campos: eles evoluíram. Possuem um aspecto intrinsecamente histórico. Os organismos herdam-nos dos antepassados.

Mas, como é que estes campos podem transmitir-se?

Só dois tipos de resposta parecem possíveis. O primeiro, combinando genética e platonismo, inscreve-se na tradição; o me­canicista. O segundo encara a possibilidade de que a memória seja inerente aos campos.

A primeira destas abordagens implica a existência de fór­mulas matemáticas transcendentes para todos os organismos vivos possíveis. Richard Dawkins elaborou um modelo com­putacional deste reino platônico, chamado Território Biomorfo, no qual existem todas as formas possíveis de orga­nismos, designados biomorfos. A seleção natural impele po­pulações de organismos ao longo de trajetórias de mudança genética gradual em direção a novos biomorfos, através de uma série intermédia de biomorfos. Mas todos os biomorfos possíveis preexistem de maneira independente do curso real que um processo evolutivo particular poderia tornar; estão já especificados matematicamente no programa informático do Território Biomorfo.

A evolução biológica depende, na ótica platônica, da evo­lução de sistemas genéticos que permitam a determinadas for­mas de organismos possíveis ser reificadas no mundo físico; mas as próprias fórmulas, ou biomorfos não evoluem. São se­melhantes às Formas eternas de todas as espécies possíveis e existem em um domínio transcendente, independente da existên­cia efetiva destes organismos. As equações do campo morfo­genético do Tyrannosaurus Rex, por exemplo, existiam antes da Terra surgir e mesmo antes do nascimento do cosmos. Não fo­ram afetadas pelo aparecimento evolutivo deste tipo de dinos­sauro, nem pela sua extinção posterior.

Por outro lado, se os campos morfogenéticos têm uma memó­ria inerente, a sua evolução pode ser concebida de maneira radi­calmente diferente. Não são Formas transcendentes, mas qualida­des imanentes aos organismos. Evoluem no domínio da natureza e são influenciados pelos acontecimentos reais do passado. Formam-se hábitos no seu seio. Deste modo, os modelos matemá­ticos destes campos não passam de modelos; não representam realidades matemáticas transcendentes que determinam os campos.

A idéia de que os campos morfogenéticos tem uma memória inerente é o ponto de partida da hipótese da causalidade for­mativa. Estou convencido de que ela nos pode levar em dire­ção a uma compreensão verdadeiramente evolucionista dos or­ganismos e, sobretudo, de nós mesmos. Não creio que a única alternativa à mão - a combinação tradicional do mate­rialismo e do platonismo - ofereça a mesma esperança; está, com efeito, enraizada numa concepção pré-evolucionista do universo, uma concepção que a própria física agora contesta.


A Hipótese da Causalidade Formativa

A hipótese da causalidade formativa, parte da idéia de que os campos morfogenéticos tem uma realidade física, no sentido em que os campos gravitacio­nais, eletromagnéticos e da matéria quântica são reais. Cada tipo de célula, de tecido, de órgão e de organismo tem o seu pró­prio tipo de campo. Estes campos moldam e organizam os mi­crorganismos, os vegetais e os animais em desenvolvimento e estabilizam as formas dos organismos adultos. Fazem-no com base na sua própria organização espaço-temporal.

O aspecto temporal dos campos morfogenéticos sobressai mais claramente nos conceitos de creodos e de atratores morfo­genéticos. Os campos morfogenéticos ligam organismos em de­senvolvimento a padrões futuros de organização, em direção aos quais os creodos guiam o processo de desenvolvimento.

Na fase atual, esta proposta apenas torna explícito aquilo que sempre esteve implícito no conceito dos campos morfoge­néticos. A inovação da hipótese da causalidade formativa é a idéia de que a estrutura destes campos não é determinada por idéias transcendentes nem por fórmulas matemáticas, mas re­sulta, pelo contrário, das formas reais de organismos semelhan­tes anteriores. Por outras palavras, a estrutura destes campos depende de acontecimentos reais do passado. Deste modo, os campos morfogenéticos da espécie "dedaleira" são moldados por influências que emanam de dedaleiras que existiram ante­riormente. Representam uma espécie de memória coletiva da espécie. Cada membro é moldado por estes campos de espécie e contribui, por sua vez, para os moldar, influenciando os membros futuros da espécie.

Como poderia funcionar este tipo de memória?

Segundo a hipótese da causalidade formativa, dependeria de uma espécie de ressonância, a ressonância mórfica, que ocorre com base na semelhança. Quanto mais um organismo for semelhante a orga­nismos anteriores, maior será a sua influência sobre ele por meio da ressonância mórfica. E quanto mais organismos semelhantes houver, maior será a sua influência cumulativa. Deste modo, uma dedaleira em desenvolvimento está sujeita à ressonância mórfica de inúmeras dedaleiras que existiram antes dela e esta ressonância molda e estabiliza os seus campos morfogenéticos.

A ressonância mórfica difere dos tipos de ressonância já co­nhecidos da ciência e, sobretudo, da ressonância acústica (caso da vibração em simpatia de cordas em tensão), da ressonância eletromagnética (caso da sintonização de um aparelho de rádio para uma transmissão numa freqüência particular), da ressonância do spin do elétron e da ressonância magnético-nu­clear. A ressonância mórfica, contrariamente a estes outros ti­pos, não implica uma transferência de energia de um sistema para outro, mas, pelo contrário, uma transferência não energética de informação. Assemelha-se, todavia, aos tipos conhecidos de ressonância no sentido em que se produz com base em padrões rítmicos de atividade.

Todos os organismos são estruturas de atividade e sofrem, em todos os níveis de organização, oscilações rítmicas, vibrações, movimentos periódicos, ou ciclos. Nos átomos e nas molécu­las, os elétrons estão em movimento vibratório incessante nas suas orbitais; as grandes moléculas, especialmente as proteí­nas, vibram e ondulam segundo freqüências características. As células contêm inúmeras estruturas moleculares vibratórias, as suas atividades bioquímicas e fisiológicas exprimem pa­drões de oscilação e as próprias células passam por ciclos de divisão. Os vegetais respeitam ciclos de atividade cotidianos e sazonais; os animais acordam e dormem e, neles, bate um co­ração, há pulmões que asseguram a respiração e intestinos que se contraem em ondas rítmicas. O sistema nervoso tem um funcionamento rítmico e o cérebro é varrido por ondas recor­rentes de atividade elétrica. Quando animais se movem, fa­zem-no por meio de ciclos repetitivos de atividade - as con­torções do verme, a marcha da centopéia, o nadar do tubarão, o vôo do pombo, o galope do cavalo. Nós mesmos passamos por muitos ciclos de atividade: mastigamos os alimentos, cami­nhamos, andamos de bicicleta, nadamos e acasalamos.

Segundo a hipótese da causalidade formativa, a ressonância mórfica entre estas estruturas de atividade rítmicas baseia-se na semelhança; através desta ressonância, padrões de ativida­des passadas influenciam os campos de sistemas semelhantes posteriores. A ressonância mórfica implica uma espécie de ação a distância no espaço e no tempo. A hipótese supõe que es­ta influência não declina com a distância no espaço e no tempo.

O nascimento de uma forma não se verifica em um vazio. Todos os processos de desenvolvimento partem de sistemas que já têm uma organização específica. Um embrião desen­volve-se a partir de um ovo fertilizado que contém DNA, proteínas e outras moléculas organizadas de maneiras parti­culares e características da espécie. Estas estruturas de parti­da, ou germes morfogenéticos, entram em ressonância mórfica com os membros anteriores da espécie. Por outras palavras, o embrião em desenvolvimento está "sintonizado" com os campos da espécie e encontra-se, portanto, rodeado, ou en­volvido, pelos creodos que moldam o seu desenvolvimento, assim como o desenvolvimento de inúmeros embriões que o precederam.

Como todos os membros passados da espécie contribuem para formar estes campos, a sua influência é cumulativa: au­menta proporcionalmente ao número total dos membros da es­pécie. Estes organismos passados são semelhantes, mais do que idênticos e, assim, os campos morfogenéticos de um novo orga­nismo sujeito à sua influência coletiva não estão estritamente definidos, mas consistem em um composto de formas semelhan­tes anteriores. Este processo é análogo a uma fotografia com­posta, na qual fotografias "médias" são obtidas sobrepondo vá­rias imagens semelhantes. Os campos morfogenéticos são "estruturas de probabilidade", nas quais as influências dos tipos passados mais comuns se combinam para aumentar a probabilidade de repetição destes tipos.


Influência Através do Espaço e do Tempo

O esquema de Weismann supõe um fluxo de influência uni­direcional do plasma germinativo ao somatoplasma, ou seja, em termos modernos, um fluxo unidirecional do ge­nótipo ao fenótipo. A interpretação platônica dos campos sob forma de equações gerativas partilha esta idéia de influência unidirecional: os campos, em combinação com fatores genéticos e ambientais, engendram o organismo adul­to. A forma verdadeira dos organismos não influencia as equa­ções de campo, que devem transcender a realidade física.

Em contrapartida, a hipótese da causalidade formativa pos­tula um fluxo de influência bidirecional: dos campos aos orga­nismos e dos organismos aos campos. Representar-se-á isto in­tegrando conjuntos suplementares de setas no diagrama de Goodwin.

Uma interpretação platônica das formas dos organismos em termos de idéias arquetípicas implica uma influência unidirecional da idéia em direção ao orga­nismo, a própria idéia não se modificando. De fato, não pode mudar, visto que é transcendente, situando-se para além do tempo e do espaço. A Forma está presente, potencialmente, em todos os tempos e em todos os lugares e pode refletir-se na forma dos organismos em todos os tempos e em todos os lugares no universo, desde que as condições sejam apropriadas.

A teoria mecanicista acentua a realidade dos átomos e das moléculas no seio dos organismos, mas considera o seu modo de interação como uma conseqüência de leis universais. Tal como as idéias platônicas, estas leis não são entida­des materiais localizáveis no espaço e no tempo; estão, pelo contrário, potencialmente presentes e ativas por todo o uni­verso: sempre estiveram e sempre estarão.

As enteléquias aristotélicas, em contrapartida, não têm uma existência que transcenda o espaço e o tempo. Estão associadas aos organismos e dependem deles. Porém, permane­cem imutáveis, não evoluem. Tal como as idéias platônicas, ou as leis universais, exercem uma influência unilateral sobre os or­ganismos; mas a sua natureza permanece não afetada pelos or­ganismos.

Os campos morfogenéticos não têm uma existência trans­cendente, independente dos organismos - nisto, assemelham­-se às enteléquias. Mas são influenciados pelos orga­nismos e moldados, através de uma ressonância mórfica, pelos campos de organismos semelhantes anteriores.

Estamos habituados à idéia de influências causais que a­tuam a distância no espaço e no tempo através de campos: por exemplo, quando olhamos para as estrelas, estamos sujeitos a influências milenares e distantes que atravessaram o campo eletromagnético veiculando a luz. A noção de ressonância mórfica implica, contudo, um tipo de ação a distância dife­rente, mais difícil de compreender, porque não implica o movimento de quanta de energia através de um dos campos conhecidos da física.

E isto levanta o problema do meio de transmissão: como é que a ressonância mórfica se produz através do tempo e do es­paço?

Em resposta a esta pergunta, poderíamos imaginar um "éter morfogenético", ou uma outra "dimensão", ou, ainda, in­fluências que passam "para além" do espaço-tempo e, depois, aí regressam. Mas seria, talvez, mais satisfatório imaginar o passado comprimido, em certa medida, contra o presente e po­tencialmente presente por todo o lado. As influências mórficas de organismos passados podem, simplesmente, estar presentes para organismos semelhantes posteriores.

Estamos de tal modo habituados à noção de leis físicas imu­táveis que as consideramos como evidentes; mas, se refletir­mos na natureza destas leis, afiguram-se-nos profundamente misteriosas. Não são entidades materiais, nem energéticas. Transcendem o espaço e o tempo e estão, pelo menos potencial­mente, presentes em todos os lugares e em todos os tempos.

Se a ressonância mórfica é misteriosa, as teorias convencio­nais não o são menos. Distanciemo-nos um pouco e considere­mos os seus postulados notáveis. A hipótese da causalidade formativa não é uma especulação metafísica estranha que con­trasta com a teoria dura, empírica, pragmática do mecanicismo. Esta depende de pressupostos mais metafísicos, na realidade, do que a noção de causalidade formativa.


Os Campos Mórficos

Os campos morfogenéticos, no sentido em que se entende a causalidade formativa, serão designados, a seguir, campos mórficos. Este termo é mais simples e permite distinguir esta nova concepção dos campos morfogenéticos das outras mais convencionais. O sentido deste termo é mais geral do que o de campo morfogenético e inclui outros tipos de campos organizadores; tal como veremos a seguir, os campos organiza­dores do comportamento animal e humano, dos sistemas so­ciais e culturais e da atividade mental podem ser considerados como campos mórficos com uma memória inerente.


Os Campos de Informação

Informação é uma palavra que está na moda há decênios. Vivemos na "era da informação" e as nossas vidas estão rodeadas pelas tec­nologias da informação. A informação desempenha um papel formativo ou in-formativo. Mas, o que é? Quer seja dentro ou para além dos limites do discurso científico, o emprego geral desta palavra não tem relação bem definida com a concepção técnica da informação tal como a teoria da informação a en­tende. Este processo matemático tem um campo de aplicação relativamente estreito e um valor muito limitado em biolo­gia. Quando os biólogos falam de "informação genética", por exemplo, utilizam, em geral, esta palavra em um sentido vago, não técnico, muitas vezes intermutável com o sentido igual­mente vago e não técnico da palavra programa.

A informação, a fonte moderna da forma, é considerada como residindo nas moléculas, células, tecidos, am­biente, muitas vezes latente, mas causalmente potente, permitindo que essas entidades se reconheçam, selecio­nem e instruam umas às outras, para se construir umas às outras e a si mesmas, para regularem, controla­rem, induzirem, dirigirem e determinarem acontecimen­tos de todos os tipos.

A natureza desta informação permanece obscura e o emprego de termos alternativos, tais como instruções ou programas em nada contribui para a esclarecer.

Será física ou mental?

Será es­sencialmente matemática?

Será uma espécie de abstração con­ceitual?

Se for este o caso, é uma abstração do quê?

Na medida em que a informação é empregada para explicar o desenvolvimento e a evolução dos corpos, do comportamento, dos espíritos e das culturas, não pode ser considerada como estática - tem, ela mesma, de se desenvolver e evoluir.

Os campos mórficos desempenham um papel comparável à informação e aos programas no pensamento biológico conven­cional e podem, de fato, ser considerados como campos de in­formação. Supor que a informação está contida em campos mór­ficos ajuda a desmistificar este conceito que, de outro modo, se referiria a uma noção essencialmente abstrata, mental, mate­mática ou, pelo menos, não física. E também chama a atenção para a natureza evolutiva da informação biológica, porque es­tes campos contêm uma memória inata apoiada pela ressonân­cia mórfica.


O Aparecimento de Campos Novos

Os campos mórficos de qualquer organismo particular, diga­mos de um girassol, são moldados pelas influências das gerações precedentes de girassóis. A ressonância mórfica não permite, contudo, explicar como é que apareceram os primeiros campos deste tipo. Dentro do âmbito da evolução biológica, os campos de girassóis estão ligados, de maneira estreita, aos campos de outras espécies aparentadas, tais como as alcachofras de Jerusalém e descendem, sem dúvida, dos campos de uma longa linhagem de espécies ancestrais. Mas a hipótese da causalidade formativa não permite responder à questão de saber como é que os campos do gênero girassol, ou da família das Compositae, de que é membro, ou das primeiras plantas com flores ou, de fato, das primeiras células, surgiram. É uma questão de ori­gem ou de criatividade.

Campos de novos tipos de organismos têm, de uma maneira ou de outra, de surgir uma primeira vez. De onde provêm? Talvez não provenham de parte nenhuma, talvez surjam espon­taneamente. Talvez sejam organizados por um tipo de campo "superior". Ou talvez representem uma manifestação de arqué­tipos preexistentes, até então inteiramente transcendentes. Talvez, de fato, surjam de Formas imutáveis, ou de entidades matemáticas que, ao surgir no universo físico, adquiram uma vida própria. Estas possibilidades têm sido estudadas com grande afinco pelos pesquisadores. Porém, pouco importa, no âmbito da hipótese da causalidade formativa, saber qual destas respostas tem a preferência. A hipótese só trata de campos mórficos que já apareceram.

Não deveríamos perder de vista que as alternativas à hipótese da causalidade formativa colocam problemas igualmente profundos. Se há organismos organizados por leis matemáticas imutáveis, por equações gerativas, ou seja pelo que for que corresponda a modelos matemáticos, não temos de nos interro­gar de onde provêm, porque são supostos ser eternos. Mas co­loca-se, então, o problema das leis imutáveis, ou das equações preexistentes ao nascimento do universo. As equações gerati­vas dos girassóis, por exemplo, deveriam ser anteriores ao apa­recimento das primeiras células vivas na Terra, portanto ante­riores ao próprio big bang.

Mesmo se nos abstivermos destas especulações metafísicas e adotarmos uma abordagem puramente empírica, o fato é que a hipótese da causalidade formativa permite diversas previsões verificáveis, radicalmente diferentes das teorias convencionais. Esta diferença tem a ver com o fato de que as teorias ortodoxas da ciência concebem as leis da natureza como imutáveis em todos os tempos e em todos os lugares. Quer a natureza metafí­sica deste postulado seja reconhecida, quer não, é inegável. Está subjacente ao ideal de repetibilidade das experiências e faz parte integrante dos fundamentos do método científico, tal como o conhecemos. A hipótese da causalidade formativa questiona este postulado. Sugere que os princípios organizadores invisíveis da natureza não estão fixos de modo eterno, mas evoluem com os sistemas que organizam.


Por Adalberto Tripicchio

Fonte:
rede psi portal