quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Consciência de Cura: O Ser Protagonista




“A natureza não faz nada de arbitrário.
Tanto a doença quanto a saúde têm suas causas,
e de todos os seres vivos
não há um cujo estado não seja o que deve ser”.
(Georges Canguilhem, séc.XX)

O ser humano possui, em sua essência, um poder transformador.

Criado à imagem e semelhança de Deus (Gênesis), herdou, do Criador, o talento para criar, renovar.

A multiplicidade de habilidades, artes e talentos herdados do Criador, está refletida nas diversas formas de expressões artísticas que deleitam a todos nós, como também nas descobertas científicas que têm proporcionado a toda a humanidade enormes benefícios.

O desejo de curar-se e de curar ao seu semelhante, é um dos atributos mais sublimes herdados pelo ser humano do seu Criador.

A medicina busca levar alívio à diversas manifestações de desequilíbrio refletidas no homem, seja a nível físico, mental ou emocional.

Porém, muitas vezes a expectativa de cura que o doente desenvolve em relação ao médico é frustrada e, é comum muitos médicos atribuírem a esse fracasso algo imponderável, ou seja, que está fora de sua capacidade de explicação. Por que será (perguntam), que uma medicação que produz efeitos satisfatórios em algumas pessoas, em outras, o resultado é frustrante?

A “parte” do corpo que deveria ser curada com a medicação não responde satisfatoriamente ao tratamento ou ainda, apresenta uma “melhora” temporária e, reincide com os mesmos sintomas. A terapia tradicional (alopata), segue uma linha cartesiana onde a doença é tratada observando-se unicamente a parte (órgãos) que apresenta “defeito”, como se o corpo, o ser humano, fosse uma máquina cujas peças funcionam independentemente umas das outras.

Há cada dia mais especialistas para as partes do corpo e, na medida em que o médico se dedica àquela parte que é sua “especialidade”, o ser humano é esquecido no seu todo. O bom e velho “médico da família”, excelente clínico, desapareceu quase totalmente. Digo quase, porque existe, felizmente, um grupo de médicos, homeopatas, que estão conseguindo resgatar a medicina holística, ou seja, que busca, através da anamnese, descobrir as causas que levaram o ser humano ao desequilíbrio de sua saúde, a falência de sua energia vital.

“Em suma, pode-se dizer que, para o doente, a cura é o que a medicina lhe deve, ao passo que, para a maioria dos médicos, ainda hoje, a medicina deve ao doente o tratamento mais bem estudado, experimentado e testado até o momento”. (Canguilhem, 1978). Ou seja, não importa para essa maioria (médicos), a individualidade do ser humano, por que e como ele ficou doente.

Filósofo e médico, Georges Canguilhem pergunta:

“É possível uma pedagogia da cura?

Nesse artigo, publicado em 1978, Canguilhem afirma: “Enquanto, segundo a ótica médica tradicional a cura era considerada como efeito de tratamento causal, cujo interesse era sancionar a validade do diagnóstico e da prescrição, portanto, o valor do médico, na ótica da psicanálise a cura se tornava o signo de uma capacidade encontrada, pelo paciente de acabar, êle próprio, com suas dificuldades”.

Ou seja, o médico instruirá o paciente para que ele desperte em si a consciência de sua capacidade de curar-se. Canguilhem percebeu a doença como uma falência de conduta (“fracasso da conduta, se não uma conduta de fracasso”).

O ser protagonista é convocado a “tomar as rédeas” da situação, isto é, buscar dentro de si as causas da doença e a terapia adequada para sua cura.

A habilidade do médico/terapeuta levará o paciente a tomar consciência de que o “obstáculo” (doença) possui uma função que visa proporcionar-lhe refinamento através da “desconstrução” (vir a ser) que elimina um “estado de doença” para que uma “nova forma” possa surgir. Essa “nova forma” é o ser Protagonista, o ser resiliente, que se mantém firme, flexível e integrado e consegue recuperar-se prontamente de traumas, doenças e adversidades.

Protagonista é aquele que decidiu interpretar a adversidade/doença como uma circunstância e um aprendizado da vida e escolheu a inteligência e a esperança em vez da autopiedade e do desespero.

... “O que aparece é um ser modificado em sua individualidade, que mesmo quando está apto a chegar aos mesmos desempenhos de que era capaz antes da doença, agora o faz percorrendo caminhos diferentes dos anteriores. A doença aparece assim, em um primeiro momento, como um imperativo de criação. Ou seja, “ao doente é exigido o estabelecimento de novas normas que permitam a continuidade da vida” (Canguilhem).

O doente, o Ser Protagonista, torna-se inteligente (inter = entre ; ilegere = eleger, escolher), significa saber escolher entre várias opções. É a escolha pelo superação do desafio (doença).

O ser é causa e não efeito, capaz de mudar, de transformar. Sabe que a cura está nêle e depende dêle. Ou ainda, quando não consegue transformar de imediato a situação, consegue utilizar a experiência como aprendizado e aperfeiçoamento pessoal.

Essa é a forma de ver o mundo do Ser Protagonista; criar a partir da doença ou qualquer outro tipo de adversidade, condições que abrirão portas para oportunidades de desenvolvimento de qualidades e atribuitos que servirão, potencialmente, de alicerce e combustível de seus projetos.

“Saúde é a maturidade emocional
do indivíduo como pessoa”
(Winnicott)

Quando falamos de emoções, sabemos que controlar sentimentos e sua intensidade é uma tarefa difícil. Contudo, podemos decidir como canalizá-la, para que ela flua através de nós e não provoque estagnações que poderão prejudicar-nos (quando você “engole em seco” uma emoção ou raiva por exemplo) isso pode transformar-se em uma gastrite. Em vez de guardar esse ressentimento, você pode respirar e dar-se um tempo para refletir e descobrir como poderá gerenciar melhor essa raiva. Essa é a postura do ser protagonista que dá inteligência a suas sensações e a seus sentimentos, reconhecendo e expressando honestamente para si mesmo seus impulsos emocionais mesmo que a princípio eles não pareçam adequados nem convenientes.

Canguilhem afirma que a medicina é uma técnica e não uma ciência, cujo objetivo é dar ao ser a responsabilidade de reconquista do seu equilíbrio, imitando desse modo, a natureza.

Seria então função do médico orientar e despertar a consciência da cura.

Essa consciência é que permite a reconquista do equilíbrio: “a cura é o reaparecimento de uma nova norma individual” (Canguilhem).

A idéia de que a consciência afeta a realidade foi apresentada pela primeira vez pelo físico nuclear Werner Heisenberg, autor do princípio da incerteza. Ele e muitos cientistas que o sucederam acreditavam que o próprio processo de observar a realidade de fato transforma a realidade.

Heisenberg argumentou por meio de complicadas equações matemáticas que a nossa observação, na verdade, nos capacita a criar novas realidades. Assim, como ele e seus colegas acreditavam, as partículas subatômicas só existem quando as observamos. É a nossa observação (consciência) que dá existência a essas partículas. Muitos têm dificuldade de aceitar essa hipótese, porém, a maioria dos físicos aceitam a argumentação de Heisenberg: “acho que há muito superamos o ponto da física de alta energia em que examinamos a estrutura de um universo passivo”(Robert G. Jahn, físico) ; “acho que estamos no domínio em que a interação da consciência no ambiente está acontecendo em escala tão fundamental que estamos, de fato, gerando realidade, em qualquer definição razoável do termo” (Janh, físico).

A consciência da autocapacitação já está sendo aplicada por médicos que acreditam no Ser Protagonista como o único capaz de realizar a cura em sua vida.

Dr. Raphael Kelhman, clínico geral, formado pela Faculdade de Medicina Albert Einstein, N.Y. e pós-graduado no Beth Israel Hospital e no St. Johns Hospital, afirma: “Quando achamos que perdemos o controle, freqüentemente adoecemos; e quando nos sentimos capacitados a escolher por conta própria, é maior a probabilidade de melhorar”. Ou seja, quando nos tornamos participativos e nos tornamos comandantes do nosso próprio navio, é provável que nos curemos.

Segundo inúmeros estudos médicos, um dos fatores fundamentais da saúde é a nossa sensação de controle ou autocapacitação. Simplesmente estressar-se ou adoecer, não basta para nos matar.

O que realmente é letal, é a idéia de que não temos capacidade de enfrentar o desafio, de que só podemos deitar e “permitir” que qualquer acontecimento infeliz assuma o controle de nossa vida.

Escolher, até a cor de um simples lençol, melhorava, segundo o Dr. Kelhman, a saúde das pessoas no hospital. Foram realizados estudos em empresas para avaliar o nível de saúde das pessoas e sua capacidade de superar as doenças: quase 3000 pessoas entre 55 e 85 anos de idade foram avaliadas e descobriu-se que aquelas que se sentiam no controle da própria vida tinham quase 60% menos riscos de qualquer tipo de morte, comparados aos que se sentiam relativamente inúteis.

Segundo o Dr. Kelhman, há ainda um outro elemento essencial que o Ser Protagonista deve desenvolver para realizar a cura: a compaixão.

“Um dia, depois de dominar os ventos,
as ondas e a gravidade, vamos canalizar para Deus
as energias do amor, e, então, pela segunda vez na história do mundo,
os seres humanos terão descoberto o fogo”.
(Teilhard de Chardin)

Estar ligado a outros seres humanos, sentir carinho pelo próximo e receber seu carinho em troca, isso é compaixão. Receber e compartilhar, deixar fluir, não reter, não acumular, não estagnar. É a dança do Universo. É a vida.

Estudo feito em 1995, publicado no Study for the advancement Medicine, revelou que, quando pacientes sentem compaixão, seus níveis de SIGA (Imunoglobulina A Salivar), primeira linha de defesa do corpo contra vírus e outros agentes patogênicos, aumentam de maneira significativa: “quem se oferece para ajudar o próximo também melhora muito a própria saúde e sobrevivência”. (Dean Ornish, médico).

Outro estudo realizado pela psicóloga Stephanie Brown, da Universidade de Michigan em 2002, com idosos, revelou que quando os mais idosos oferecem apoio social a amigos, parentes, vizinhos, reduzem em 60% o risco de morte prematura. Ou seja, “essas descobertas indicam que não é o que recebemos dos relacionamentos que tornam tão benéficos os contatos com os outros”, (Brown). “É o que damos”.

“Vede que dispus perante vós a vida e a morte,
por consequinte, escolhei a vida”.
(Torá)

Canguilhem pergunta: ... “Mas e a vida? A vida não é justamente evolução, variação de formas, invenção de comportamentos? (Canguilhem, 1978)

É tudo isso.

Mas é principalmente, ser capaz de curar além de nós mesmos, o mundo inteiro, é compreendermos que “tudo afeta tudo”, que o bater de asas de uma borboleta em Oklahoma, afeta o terremoto em Tóquio”.

Essa é a consciência da Unidade, a consciência ecológica.

“Eu estava adormecido, mas meu coração foi despertado ...
É a voz do meu amado que bate dizendo:
abra para Mim uma abertura menor
que o buraco de uma agulha,
que eu abrirei para ti os Portões Supremos.
Abra para Mim.
Se tu não abrires, ficarei fechado”
(Zohar)


Fonte:
Consciência de Cura: O Ser Protagonista
Por Tereza Cristina de Souza Câmara
Universidade Santa Úrsula
Instituto de Psicologia e Psicanálise
Disciplina: Autismo e Psicose infantil
Profº Gustavo Saboia de Andrade Reis



Resumo:

Destaca o potencial do ser humano inteligente (inter = entre ; ilegere = eleger), que pode escolher a cura através da percepção (consciência) de que é causa e não efeito das doenças e que pode transformar o desafio da doença em ferramenta para seu refinamento.