segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Essa rede invisível de amor







“A felicidade não se compra", de 1946, dirigido por Frank Capra, é um dos filmes mais lindos que já assisti. Descobri há uns dez anos, por meio da referência de um palestrante a respeito do argumento que ele aborda. Curiosa, eu que adoro descobrir belezas, fui procurar na locadora. Fiquei encantada pela história, que conta, entre outras coisas, o quanto “cada vida humana é capaz de tocar muitas outras vidas” de forma preciosa e singular, mesmo sem ter essa percepção.

George Bailey, o protagonista, interpretado pelo ator James Stewart, é um homem de bom coração, gestos nobres, que assume os negócios do pai e, num momento de extremo desespero pela perspectiva da iminente falência, pensa em se matar e considera que teria sido melhor não ter nascido. Aí começa a parte mais interessante do filme: um anjo meio atrapalhado desce à Terra e o faz mergulhar numa espécie de sonho para lhe mostrar como seria diferente a vida das pessoas que amava e havia ajudado, em vários momentos de sua trajetória, se, de fato, ele não chegasse a nascer. Aparentemente despretensioso, o filme é de uma sensibilidade imensa.

Como é dito em algum trecho do roteiro, cada vida toca mesmo muitas outras vidas. Direta ou indiretamente. No nosso cotidiano, tantas vezes agitado, apertado, ensandecido, a gente não percebe. Não registra. Não lembra disso. Mas, se pudermos parar um pouquinho e afastar o sentimento dessa roda-viva, é possível notar o quanto a nossa vida está ligada a outras tantas numa rede invisível, tecida com fios de puro sentimento. O quanto o fato de existirmos influencia, de diferentes maneiras, em variadas circunstâncias, a história de muitas pessoas, conhecidas ou anônimas. Gente que já passou e nem sabemos mais por onde anda. Gente que continua próxima dos nossos olhos e do nosso amor. Gente, cuja vida esbarra na nossa de forma muito rápida, mas nem por isso o encontro é menos valioso. Pessoas que nem sabemos quem são.

Não estamos separados, como tantas vezes sentimos. É fantástico ter olhos para ver a amorosa rede de conexões que cada vida representa. Quando tratamos uma pessoa com gentileza, respeito, cuidado, não é somente ela que está sendo tocada, mas toda a infinidade de inter-relações envolvidas com a sua passagem pelo mundo, as que já existem e as que poderão vir a existir. Tocamos, em desdobramento, outras tantas histórias e possibilidades vinculadas àquela vida, única e intransferível. Cada pessoa é muita gente, além da preciosidade de ser simplesmente quem é.

Ao olhar para mim, sinto a presença de muitas pessoas. Não teria chegado até aqui, da mesma forma, sem elas. Gente da minha família de sangue. Gente da família que o meu coração cria, vida afora. Gente que encontrei em algum ponto do caminho. Muitas me ajudaram sem sequer perceber. Recebi, em diferentes momentos, a dádiva de gestos de cuidado e amor que fizeram toda diferença. Mesmo os mais singelos foram providenciais: sorrisos, olhares, escutas, abraços, palavras, silêncios compartilhados. Luciano de Crescenzo, escritor italiano, disse uma coisa linda: “Somos todos anjos com uma só e só podemos voar quando abraçados uns aos outros”. E não é?

Essa leitura da interpendência, que eu acho muito poética, nos convida a refletir sobre a responsabilidade das nossas ações. O filósofo Emerson, num texto que lhe é atribuído, diz que tivemos sucesso na nossa jornada quando ao menos uma vida respirou mais fácil porque nós vivemos. Essa perspectiva de contribuir para que outras vidas respirem melhor porque existimos nos faz redimensionar a importância da nossa estada por aqui. A natureza é um sistema vivo todo amoroso, feito de gestos gratuitos de troca e beleza. Como parte dela, não somos, por essência, diferentes. Precisamos aprender a respirar melhor e a ajudar, cada um do seu jeito, que outras vidas também respirem com mais facilidade. Não precisa ser por meio de feitos espetaculares. Pode ser nas miudezas do dia-a-dia, no improviso criado por cada instante. Isso já é grande à beça. Isso já faz a gente se sentir feliz.

Ana Jácomo