O problema da relação entre temperamento e doença tem sido debatido pela ciência médica desde a antigüidade, já que quase sempre foi possível notar que a constituição biológica particular de um indivíduo e as suas pré-disposições à doença guardam uma estreita correlação com as suas tendências, com a sua maneira de sentir e se comportar.
Ainda hoje, por exemplo, fala-se da tipologia criada pelo médico grego Hipócrates há mais de dois mil anos, a qual dividia os homens em quatro grandes categorias:
1) o sangüíneo;
2) o fleumático;
3) o colérico;
4) o melancólico.
Tal tipologia, como se pode perceber, baseava-se em diferenças fisiológicas que influenciavam o caráter e o temperamento.
Nos tempos modernos teve uma enorme difusão no campo médico o conceito, introduzido por Pende na Itália, de influência das glândulas endócrinas não somente sobre o tipo físico, mas também sobre a psique, tendo sido criada uma biotipologia baseada na predominância ou na deficiência de determinadas funções glandulares.
A medicina psicossomática também não exclui uma correlação entre caráter e predisposição à doença, mas os pontos de vista dos estudiosos são ainda muito discordantes.
Alexander, por exemplo, afirma que somente das doenças das coronárias é que se pode falar de uma relação entre temperamento e predisposição para tais doenças.
Assim, escreve: "A freqüência de acidentes coronários entre pacientes que pertencem a determinadas categorias profissionais, como médicos, advogados, padres, pessoas que têm funções executivas e postos de alta responsabilidade é um dado familiar ao clínico..." (Medicina psicossomática, p. 61).
Todavia, acrescenta ele que isso também poderia depender do tipo de atividade e não do temperamento específico.
Uma outra estudiosa, Dunbar, parece, por sua vez, mais propensa a admitir uma estreita relação entre caráter e doença, analisando em seu livro Estudo de perfis, algumas correlações estatísticas entre as doenças e a personalidade.
Diz ela, por exemplo, que o diabete melito atinge mais facilmente os tipos ansiosos, passivos, indecisos, que encontram dificuldade em passar do estado de dependência infantil para um estado de maturidade e de autonomia.
De fato, foi provado que o medo e a ansiedade podem provocar distúrbios no metabolismo dos carboidratos até mesmo em indivíduos não diabéticos.
Para dar um outro exemplo de correlação entre temperamento e doença, lembremos o caso da artrite reumatóide, anteriormente mencionada, e que parece se originar de agressividade e ira reprimidas, em pessoas propensas, por temperamento, a reagir com rebeldia e hostilidade às adversidades da vida.
Escreve Alexander, a propósito justamente da artrite reumatóide: "O fundo psicodinâmico geral de todos os casos é um estado de agressividade cronicamente inibida e revolta contra todas as formas de constrangimento exteriores ou interiores, contra o controle exercido por segundos ou contra a ação inibidora da própria consciência hipersensível". (Medicina psicossomática, p. 185.)
Voltando agora para a Medicina psico-espiritual, encontramos nela conceitos muito mais precisos e definidos, em perfeita analogia com aquilo que a ciência oficial ainda debate e pesquisa.
A relação entre tipo psicológico e doença é tida como uma realidade, pois, de acordo com o esoterismo, o que produz a diferença de temperamento entre os indivíduos é a predominância de uma determinada faculdade ou energia, também em estreita correlação com um centro etéreo e com uma glândula endócrina específica no plano físico.
Mencionaremos agora, rapidamente, a tipologia psicológica das doutrinas esotéricas.
De acordo com o esoterismo, tudo o que resulta da criação, portanto também o homem, está sob a influência de sete grandes energias cósmicas chamadas "Raios"; energias que derivam do Uno, que em um primeiro momento torna-se Três e depois Sete.
[Para maiores informações sobre a teoria dos "Sete Raios", ver o volume de Angela Maria La Sala: Os sete temperamentos humanos, útil do ponto de vista psicológico, ou então o Tratado sobre os Sete Raios, de Alice Bailey, que aborda o assunto de um ponto de vista cósmico e esotérico.]
Na realidade, tais energias exprimem sete notas, sete qualidades que, mesmo parecendo na manifestação e no homem bem distintas e separadas, formam em seu conjunto a harmonia e a totalidade do Uno, justamente como as sete cores do arco-íris, reunidas, produzem a luz branca.
Estas sete qualidades são, para o homem, "sete caminhos evolutivos", conforme está escrito na Doutrina Secreta de Helena P. Blavatsky, isto é, sete modos de retornar ao Absoluto, sendo que os homens, no correr do processo evolutivo, podem vir a encontrar-se em um ou outro dos caminhos, o qual representa a linha de menor resistência individual.
Quando estamos próximos do despertar da consciência do Si, a nota, ou raio prevalente, começa a fazer sentir a sua presença, pois delineia-se a nossa individualidade, antes latente mas sufocada pela "falsa" consciência, pelo conjunto de condicionamentos e automatismos que impediam ao verdadeiro ser central se manifestar.
É o momento que Sri Aurobindo denomina individualização da consciência, que faz emergir o centro de consciência, o verdadeiro "eu".
"Um ser consciente está no centro de mim mesmo; ele governa o passado e o futuro, é como um fogo sem fumaça... é preciso desembaraçá-lo pacientemente do próprio corpo", afirma o Upanishad (Katha Upanishad IV).
É este um momento extremamente importante para a evolução do homem, pois o "eu" deve ser formado, o centro de consciência do nosso ser deve ser evocado, pois é justamente através deste centro que nos superamos e atingimos o mundo da Realidade.
O caminho para a realização do Si é constituído primeiramente por uma interiorização, depois por uma "concentração" da atenção em um ponto central, que é como um cerne, um apoio, um centro de focalização em que se recolhem e giram harmoniosamente todas as energias da personalidade, que são somente instrumentais.
Este ponto central é o "eu", a individualidade, a nossa criatividade, a nossa "ipseidade", que em seguida deverá ser transcendida, ou melhor, ampliada até a identificação com o Eu Universal.
Afirma Sri Aurobindo: "O eu é ajuda; o eu é obstáculo", querendo dizer com estas palavras que primeiramente devemos evocar e criar a nossa individualidade, o Ser Psíquico, como ele o chama, pois sem ele não poderíamos nos tornar conscientes e realizados, e em seguida devemos superá-lo para que ele não constitua uma limitação, um impedimento.
A individualidade não é a personalidade; isso deve ficar bem claro pois esta última não apresenta realidade própria mas somente uma "falsa" consciência, quando ainda não emergiu o "centro de consciência" que é justamente a individualidade.
A personalidade é constituída pelo conjunto dos três veículos de expressão, não sendo mais que automatismo e mecanicidade: é somente um instrumento.
A individualidade é o Eu verdadeiro, o reflexo do Si, seu ponto de apoio e de expressão.
É também chamada por alguns Alma ou Ego superior, sendo ela que cria a continuidade entre uma e outra encarnação.
Este Eu individual ou Alma não é algo vago e impreciso, mas bem caracterizado e especificado.
Traz em si uma marca precisa, sua, somente sua, diferente da de qualquer outro, sendo ela também o seu caminho, a sua "missão", o seu encargo no grande Plano evolutivo, do qual é uma partícula, conquanto mínima.
Esta "marca" individual é justamente o "raio" que exprime, a nível psicológico, qualidades e características bem precisas, formando um determinado "temperamento" ou tipo.
Os raios, como dissemos, são sete:
I Raio da Vontade-Poder;
II Raio do Amor-Sabedoria;
III Raio da Inteligência Criativa;
IV Raio da Harmonia através do conflito;
V Raio da Ciência Concreta;
VI Raio da Devoção e do Idealismo;
VII Raio da Concreção Física.
Cada um de nós pertence, enquanto individualidade, a um ou outro dos raios acima mencionados, o qual representa a sua nota a ser expressa e posteriormente aperfeiçoada, e que, sendo latente e potencial, deve ser descoberta e depois expressa até a sua plenitude.
Portanto, durante um longo ciclo de encarnações, cada um de nós permanece no mesmo raio, até que tenhamos expressado plenamente, quando então passamos para outro raio, pois a meta é chegar à totalidade, à perfeita harmonia, que compreende em si todas as sete notas.
No que diz respeito às doenças, de acordo com a Medicina psico-espiritual, existe uma relação direta e bastante clara entre faculdade, tendências, características psíquicas e veículo físico, sendo, pois, lógico que o temperamento de um determinado indivíduo possa conduzi-lo a erros e defeitos capazes de gerar distúrbios físicos e doenças.
De fato, sendo todo Raio, na a mais alta essência, expressão de faculdades elevadas e espirituais, ao se manifestar em um indivíduo ainda não evoluído e purificado, ele se altera e, assim dizer, é poluído, manifestando aspectos negativos e deletérios.
Assim por exemplo, o Raio da Vontade-Poder, pode, se o indivíduo não é evoluído, exprimir violência, autoritarismo, auto-afirmação, ira e destrutividade em outras palavras, a força de vontade é degradada e invertida, exprimindo sobretudo agressividade e instinto de auto-afirmação, sendo canalizada como vimos, no plano etéreo, através do Centro da base da espinha dorsal.
É preciso, a essa altura, mencionar que os Raios, conquanto somem Sete derivam na realidade dos três aspectos do Uno de que tantas vezes falamos, e podem ser reencontrados em todos os planos da manifestação, sob infinitas formas.
Recordemos estes três aspectos:
a) Pai (I aspecto) Vontade
b) Filho (II aspecto) Amor
c) Espírito Santo (III aspecto) Inteligência Criativa
Entre os três primeiros e os três últimos Raios, há uma perfeita correspondência, pois eles exprimem justamente as três energias, embora orientadas em diferentes direções e, portanto, utilizadas com finalidades diferentes.
De fato, os três primeiros utilizam as energias dirigindo-as para o mundo subjetivo, interior, e os três últimos, ao contrário, dirigindo-as para o mundo objetivo e exterior.
Portanto, constatamos que:
O I Raio dirige a Vontade para o mundo interior;
O II Raio dirige o Amor para o mundo interior;
O III Raio dirige a Inteligência para o mundo interior;
O VII Raio dirige a Vontade para o mundo exterior;
O VI Raio dirige o Amor para o mundo exterior;
O V Raio dirige a Inteligência para o mundo exterior.
Assim, os três primeiros poderiam ser considerados introvertidos, e os três últimos extrovertidos.
O IV é "ambivertido" pois se dirige tanto para o interior como para o exterior, visando a superar a dualidade, e suscitar novamente união e harmonia entre os dois pólos do Espírito e da Matéria.
É lógico, portanto, deduzir daí que a preponderância de um determinado Raio num indivíduo conduza ao hiper ou ao hipofuncionamento de um determinado centro e da glândula correspondente, conforme este seja extrovertido (isto é, levado à congestão), ou introvertido (isto é, levado à inibição), como vimos na primeira parte deste livro.
Naturalmente, os distúrbios e as doenças acham-se relacionadas com o centro e a glândula em questão, e serão doenças provocadas por congestão ou por inibição, em razão do motivo acima mencionado.
No caso do aspirante espiritual próximo da realização do Si, o problema se apresenta mais claramente, pois com a gradativa emergência da individualidade, o Raio predominante se revela, buscando exprimir-se através do centro correspondente, podendo, entretanto, encontrar obstáculos conscientes ou inconscientes.
Os obstáculos são quase sempre inevitáveis, pois, como já dissemos, estando a personalidade (o conjunto dos três veículos inferiores) até aquele momento abandonada a si mesma, funcionando "mecanicamente", ela se estabilizou num determinado ritmo, adotou determinados hábitos e por pouco não se petrificou numa espécie de entidade, num "eu" falso, que não quer ceder o seu domínio.
Não é fácil vencer os hábitos da personalidade, dissolver a sua solidificação, mudar o seu ritmo, mesmo que a essa altura tenhamos consciência de uma outra realidade e comecemos a sentir a presença do verdadeiro Eu.
É preciso um longo e lento trabalho de libertação e transformação para instaurar um novo ritmo, o que pode conduzir a períodos de conflito, tormento, sofrimento e doença.
Neste período, justamente, a doença é sintoma desse estado interno de sofrimento e transformação, durante o qual desatam-se os nós dos antigos hábitos, dissolvem-se cristalizações, inverte-se a direção das energias e, dependendo do tipo de doença, o indivíduo pode descobrir qual é a nota central implicada, qual é a energia que procura exprimir-se, e que, uma vez liberta, revelar-se-á o seu "caminho".
Para exemplificar, se o aspirante se encontra no Segundo Raio, poderá antes do despertar do Si sofrer uma doença das vias respiratórias (pleurite, pneumonia etc), pois as energias sobem em direção ao Centro do Coração e buscam se exprimir através deste sob a forma de Amor e sentimentos de União, embora os automatismos inconscientes do eu pessoal se oponham e continuem a funcionar à base de antigos ritmos e hábitos de apego, amor possessivo e limitado por cega e obstinada mecanicidade.
As energias do amor, não podendo se exprimir através do Centro do Coração, invadem a área ao redor provocando "congestões", disfunções, alterações em todos os órgãos do tórax.
De fato, a doença representa uma "ruptura" de ritmo, uma crise que rompe velhos hábitos, uma superação de etapa árdua e cansativa, que vai dar, enfim, numa reviravolta, num renascimento, no início de um novo ciclo de vida.
Portanto, a relação entre o próprio temperamento ou Raio e a doença existe e se revela especialmente no período que antecede o despertar do Si, pois a própria nota central, antes de se exprimir em toda a sua pureza e plenitude, deve se libertar dos hábitos viciados em que vinha incorrendo, deve fazer ecoar a sua real vibração espiritual e cumprir o seu trabalho.
Esta teoria dos Sete Raios nos oferece um modo de "reconhecer" sem grande dificuldade o caminho de menor resistência para nos auto-realizarmos e manifestarmos a realidade espiritual latente em nós, segundo a nossa espontaneidade, a nossa autenticidade, deixando que nos guiemos pela corrente irresistível e poderosa da força central do nosso ser, o qual, sendo por natureza de origem divina, nos leva de volta para o alto.
Eis por que todas as escolas, todos os Mestres e todas as doutrinas psicológicas baseadas na intuição afirmam que, para reencontrar o Si espiritual, a essência divina em nosso interior, devemos antes de mais nada aprender a ser o que somos, devemos reencontrar a nossa autenticidade, a nossa realidade profunda, libertando-nos das infra-estruturas, dos condicionamentos e falsos "eus".
Reencontrar a nós mesmos e ao verdadeiro Eu nos leva automaticamente a entrar em sintonia com a energia divina e verdadeira que nos anima, que nos impulsiona, o que significa exprimi-la plenamente, encontrando a perfeita harmonia com o nosso núcleo profundo, o qual, mesmo que individualizado e específico, é uma partícula do Uno, é uma nota da grande sinfonia cósmica da criação.
Fonte:
Livro MEDICINA PSICO-ESPIRITUAL
Angela Maria La Sala Bata
Tradução de Pier Luigi Cabra