"Quando um acorde musical é tocado, uma certa harmonia é produzida por aquela combinação de notas. Mas um acorde no qual haja apenas uma nota incorreta produz discordância, dissonância. Isso tem um efeito muito definido.
A mesma coisa acontece aos homens. Se um aspecto está fora de harmonia com o restante, não funcionamos com suavidade; nossas ações vêm de campos de consciência que não estão integrados. Isso pode resultar em doença. Se os acordes de muitos indivíduos não estiverem em harmonia, grupos de seres humanos podem se tornar mutuamente destrutivos, como testemunhamos hoje em dia.
Em comparação, consideremos a natureza. A natureza é como uma orquestra que reúne incontáveis notas. Desde o tempo de Pitágoras, essa sinfonia cósmica é conhecida como a Música das Esferas. De acordo com esse conceito, cada diminuto átomo está afinado a uma nota musical e está constantemente em movimento com velocidades incríveis, cada velocidade possuindo sua própria qualidade ou nota numérica. Se tivermos ouvidos para ouvir, poderíamos realmente perceber uma árvore crescer ou uma flor desabrochar. Da mesma forma, poderíamos ouvir os gritos de outros seres humanos e de outras formas de vida no planeta, e estaríamos melhor equipados para aliviá-los.
Nós, seres humanos, parecemos estar sempre buscando algo, numa tentativa de redescobrir um aspecto perdido da natureza – o acorde da harmonia com o universo. Harmonia não é um conceito visionário de contos de fadas. É muito relevante na vida diária. Ademais, a harmonia não está limitada ao individual, à família e à comunidade humana.
Antes, implica um estado de profunda ressonância interna com toda a vida no mundo terrestre, e, no final das contas, com toda a vida que reside nos domínios ainda mais inferiores. A busca por esse acorde perdido nos tem levado em miríades de direções. Estamos buscando preencher os vazios existentes em nossas estruturas, para nos tornarmos integrais.
Consequentemente, os seres humanos são grandes aventureiros. Procuramos em todos os recantos da vida para tentar descobrir aquele tesouro precioso – através da excitação, drogas, álcool, novas formas de prazer, riqueza, gurus, meditação e assim por diante. Pode-se dizer que o ser humano muitas vezes se parece com água represada, em vez de um participante ativo no grande sonho da vida.
Notas da existência
Nós só podemos nos tornar unos com a corrente, reconectarmo-nos a ela, quando descobrirmos a nossa profundidade. Como podemos, como indivíduos, redescobrir as notas mais profundas de nossa existência, que podem nos ajudar a nos movermos conscientemente em direção ao estado de harmonia?
Ouvir - Cada uma das miríades de formas de vida tem um conjunto único de vibrações. E isso inclui o ser humano. Podemos sentir as notas mais profundas de outra pessoa? Nós verdadeiramente ouvimos o outro – não apenas as palavras faladas mas os gestos da outra pessoa, os olhos, aquilo que não é dito, para que apliquemos nossos sentidos internos ao que a pessoa está comunicando? Krishnamurti comentava que nós sempre ouvimos com ideia preconcebida ou a partir de um ponto de vista particular. Podemos ouvir com “novos” ouvidos?
Confiança - Nós de fato confiamos na vida, ou de algum modo temos medo dela? Nossas ações podem estar baseadas no medo, tal como o medo do que alguém pensa de nós. À medida que evoluímos, as convenções da sociedade de algum modo afrouxam a pressão e a nossa moralidade individual torna-se a base de nossa vida, em vez da moralidade do mundo, que pode estar fora de harmonia com o funcionamento do universo.
Em Cartas dos Mahatmas, o mestre K. H. diz: “Um Mahatma deve obedecer ao impulso interno de sua mente sem se importar com as considerações de prudência e sagacidade da ciência mundana.” A assim chamada sabedoria do mundo pode, às vezes, não ser mais que um reflexo daquela sabedoria que pode penetrar, oriunda dos níveis mais profundos, inundada com a luz debuddhi. À medida que nos tornamos mais confiantes internamente, os temores desse tipo recuam, e nós confiamos na vida porque de algum modo confiamos em nós mesmos. Aprendemos a lidar melhor com as situações, com os nossos relacionamentos, com os fardos da vida e com as tarefas que temos no momento.
Responsabilidade - Em que nível nós verdadeiramente assumimos a responsabilidade pelo que fazemos? Se assumimos responsabilidades por nossas ações, nos tornamos mais conscientemente responsáveis pelo estado do mundo. A idéia do carma pode não ser nada mais que uma noção interessante revolvendo em nossa mente. Mas uma ação consciente do trabalho do carma na nossa vida diária resulta numa suposição consciente da responsabilidade por nossas ações.
Aspiração - Pode-se pensar na aspiração como sendo o coração da vida espiritual. Um dos significados de aspirar é buscar. Buscar sugere a procura de algo que está oculto, como uma terra não descoberta. Por exemplo, quando aspiramos pela verdade, ou a buscamos, estamos nos esforçando para além do mundano, do lugar-comum, além dos nossos limites conhecidos, em direção a um novo território.
Chegando à verdade
Os ensinamentos teosóficos sugerem que nós fracionamos a verdade por meio das divisões da mente concreta, do mesmo modo como a luz do sol é dividida quando atravessa um prisma. O microbiologista Darryl Reanney, em seu livro Music of the Mind, comenta que o nosso modo primário de expressão física, a linguagem, também fraciona a verdade.
Contudo, devemos qualificar isso, porque a linguagem também oferece oportunidades de enxergar além do mundano. Podemos ouvir ou ler palavras belas, inspiradoras, que agem como catalisadores para novos insights, novos entendimentos. A linguagem é o nosso modo primário de expressar o pensamento, e o pensamento tem muitas manifestações. Portanto, a linguagem deve dar voz àquilo que é sublime, e também aos aspectos grosseiros da mente humana. No final das contas, a verdade pode prescindir da linguagem, como ilustra uma história da tradição Zen.
O cachorro do instrutor Zen adorava as brincadeiras noturnas com seu mestre. Corria daqui para ali para pegar um pedaço de pau, depois retornava, sacudia o rabo, esperava pela próxima brincadeira. Uma noite, o instrutor convidou um dos seus estudantes mais brilhantes para ir até sua casa – um rapaz tão inteligente que ficava confuso com as aparentes contradições da doutrina budista.
“Você deve entender,” disse o instrutor, “que as palavras são apenas postes de orientação. Jamais deixe que as palavras ou os símbolos se interponham no caminho da verdade. Venha cá, eu vou lhe mostrar.” O instrutor chamou seu alegre cachorro. “Pegue a lua”, disse ele ao cachorro, e apontou para a lua cheia.
“Para onde está olhando o cachorro?”, perguntou o instrutor ao inteligente aluno. “Para o seu dedo”, respondeu o aluno. “Exatamente. Não seja como o meu cachorro. Não confunda o dedo que aponta para uma coisa com a coisa que está sendo apontada. Todas as nossas palavras são apenas sinais indicativos. Todo homem luta para, através das palavras de outro homem, encontrar a sua própria verdade.”
Darryl Reanney afirma que a sociedade de hoje confunde conhecimento, que nasce do insight, com memória, que nasce da repetição. O insight vem em seu próprio tempo, quando a mente está pronta e é capaz de transformar a informação em sabedoria. Ele assinala que a memória permite acessar a experiência sem necessariamente compreendê-la, o que explica o empobrecimento espiritual de nossa era. “O conhecimento profundo é um prêmio que pode ser conseguido viajando até as profundezas da nossa consciência e pagando o preço total em dor e paciência, exigidas daqueles que, de maneira passional, precisam conhecer.” E não serão a dor e a paciência partes integrantes da vida espiritual do aspirante? O presente que se obtém pelo conhecimento profundo é a verdade.
A busca pela harmonia que perdemos pode ser comparada à procura do ilusório pote de ouro nas extremidades do arco-íris. Consideramos isso um processo alquímico.
União complementar
A ciência demonstrou que um elétron existe como um composto paradoxal em dois estados: onda e partícula. Darryl Reanney sugere que o comportamento de um elétron pode ser uma metáfora apropriada para a união complementar do mundo da experiência interna subjetiva (estrutura de ondas) e o mundo da observação exterior (estrutura de partículas).
Segundo Reanney, o conheci-mento, em sua própria natureza, existe sob a forma de onda. A poesia é mais evocativa que a prosa porque já tem a estrutura de ondas. A música é a mais alquímica de todas as forças, já que as ressonâncias que ela estabelece “podem vibrar em sintonia com a lógica interior do universo.” O poder do mantra, por exemplo, é bem conhecido. Se nos alinharmos com uma peça musical, ressoaremos com a sua harmonia. Certas ondas musicais podem nos transportar mais facilmente aos reinos arquetípicos, à morada da verdade.
A importância do silêncio
A alquimia é descrita como uma forma medieval de química cujo objetivo principal é descobrir como transformar metais comuns em ouro. Produzir ouro é, portanto, o objetivo tradicional do alquimista. O primeiro princípio do alquimista, segundo Helena Blavatsky, é a existência de um certo “solvente universal” por meio do qual todos os corpos compostos são dissolvidos na substância homogênea da qual todos surgiram. Esse ouro puro é também chamado summa materia, ou a essência da matéria.
O desabrochar de um ser humano também requer um processo alquími-co. Blavatsky descreveu a alquimia como “a química da natureza”, e assinalou que ela possui aspectos cósmicos, humanos e terrestres. Ela comentou que a transmutação de metais inferiores em ouro é apenas um aspecto terrestre da alquimia, pois o processo alquímico possui também uma significação mais profunda. Ao recusar o ouro da terra, o “ocultista alquimista” direciona seus esforços a uma transmutação: daquilo a que os teosofistas com freqüência se referem como “quaternário inferior” em direção à tríade superior do ser humano.
Poderíamos dizer que o ouro é produzido pelo florescimento da nossa natureza mais interna. Portanto, Blavatsky dizia que a alquimia é tanto uma filosofia espiritual quanto uma ciência física. Ela equacionou o processo misterioso da transformação do chumbo em ouro com a transformação dapersonalidade em espírito puro, homogêneo. A pedra filosofal, dizia ela, nasce do espírito. Ela explica que isso é a alma (manas) e o corpo do ser humano sendo assimilado pelo espírito (buddhi). Nesse processo, eles se fundem na vida una.
É interessante que Blavatsky tenha enfatizado a assimilação do espírito ou buddhi por nós, e não a nossa assimilação pelo espírito. Isso salienta o significado do esforço individual à medida que evoluímos, tão bem expressado na terceira Proposição Fundamental de A Doutrina Secreta. Parece que a alquimia do espírito, aquela transformação total da personalidade que produz um ser humano regenerado, depende de esforço – pelo menos até um certo ponto. A qualidade, o tempo e a orientação do esforço de cada um de nós é de suprema importância e pode permitir que o processo alquímico continue exponencialmente.
Darryl Reanney tem uma outra maneira de expor isso: purificando o seu conhecimento do ruído do ego, o “você que é verdadeiramente você” pode se unir à sinfonia da criação, e a canção na qual você se tornou pode se fundir sem emendas com a música que é. Em outras palavras, purificar o nosso conhecimento, com a purificação da mente, é crucial para a nossa harmonização. Esse é um ponto fundamental em obras como Os Yoga-Sutras de Patañjali. Talvez uma maneira de purificar a mente seja aprender a permanecermos quietos.
Purificar o nosso conhecimento do ruído do ego exige que disponibilizemos oportunidades para reduzir esse ruído, se quisermos permanecer lúcidos e sãos, no mundo de hoje. Jocelyn Underhill escreveu que uma das mais lamentáveis características da vida moderna é o medo do silêncio, que permeia todas as fileiras da sociedade. Muita conversa fiada e inconsequente, afirma ela, surge do medo. Talvez o silêncio crie um aparente vazio, algo que é desconhecido e que, portanto, nós tememos.
O silêncio tem uma importância capital na vida espiritual. O que significa permanecer totalmente quieto? O corpo está aquietado; não se inquieta. As células não estão agitadas. As emoções estão em repouso e todavia a mente ainda está alerta. É interessante observar o silêncio entre pensamentos. Eles se tornam mais espaçados e podem mudar de qualidade com o passar do tempo. A própria experiência do tempo muda quando experimentamos estados internos de percepção.
O que é o silêncio? Comumente, consideramos o silêncio como a ausência de som. Mas Jocelyn Underhill afirma que “o silêncio é muito mais que a negação do som; é o próprio som”. As coisas espirituais vistas dos mundos inferiores na maioria das vezes apresentam-se como paradoxos. Por isso podem não ser facilmente assimiláveis, e às vezes requerem um salto de fé antes que possam ser verdadeiramente conhecidas.
A noção do silêncio como som está bem exemplificada no maravilhoso clássico teosófico A Voz do Silêncio. Helen Zahara sugere que essa voz assume diferentes formas, dependendo do nosso estado de consciência: “Às vezes sentimos uma compulsão interna ou orientação para tomar uma atitude particular. Para muitos, essa não é uma idéia estranha. A questão é se o impulso é um genuíno impulso espiritual. Precisamos saber se nossos desejos emocionais ou nossos pensamentos são influenciados por nós. Para isso, o discernimento precisa ser desenvolvido. A chave aqui é examinar nossos motivos.”
A consciência é outro tipo de voz interior que determina a extensão da nossa moralidade. A verdadeira consciência provém dos reinos do espírito. Mas o que achamos ser consciência pode ter uma origem externa, produzida pela sociedade.
Às vezes um pensamento estranho aparece na mente, quase como uma voz se expressando. Mais uma vez precisamos determinar a sua fonte para saber se é uma manifestação da “voz do silêncio”.
Ao longo da história, místicos e visionários relataram que foram inspirados por uma voz interior. O estado místico parece ser de grande iluminação interior, um fluxo de luz e de alegria, uma tremenda sensação de unidade. Esse estado de consciência tem a sua própria voz; todavia, as tentativas de descrevê-la representam, quando muito, uma aproximação da realidade.
Não é preciso temer o silêncio. Pode ser um grande conforto levar até ele todo o alcance de nossas experiências – as dores mais profundas, os nobres pensamentos e assim por diante, até atingirmos as nossas mais elevadas aspirações. Podemos criar espaço para o silêncio, permitir que ele paire sobre as águas profundas da alma?
O silêncio não precisa ser confinado a momentos de meditação, e isso é algo que nós podemos experienciar. O que acontece nos momentos em que não podemos nos retirar para o silêncio físico? Talvez o segredo seja permitir que os ruídos fluam através de nós, em vez de enfrentá-los com resistência. Desse modo, a harmonia não é perturbada.
Os aborígines australianos usam o termo “versos de uma canção” para descrever “o padrão entremeado de trilhas de tempo que riscam a paisagem de sua terra.” Darryl Reanney refere-se aos versos de uma canção como “a totalidade do conhecimento sobre o tempo.” Em resposta à pergunta “quem sou eu?”, ele responde: “Somos os versos da canção de nossas vidas.” Ele comenta que se os versos da canção de sua vida estiverem desafinados com o coro da criação, eles não podem se tornar parte do universo, a canção única, a música que compõe o mundo ou o somatório harmônico de tudo o que é. No curso da evolução, os sons dissonantes eventualmente vão se mesclar com esse vasto mar de harmonia, a Música das Esferas.
Qual é então, o nosso desafio? Nós, que participamos da orquestra da vida, estamos de algum modo tentando tocar novamente aquele acorde perdido. Precisamos decidir no fundo como agir de acordo com os desígnios da natureza enquanto expressamos uma gama única de notas que marcam a nossa própria individualidade.
Como sabermos o modo de agir? Uma afirmação profunda é feita em Luz no Caminho:“Ouvir a voz do silêncio é compreender que do interior vem a única orientação verdadeira. Assim, o ouro que resulta da alquimia do espírito, nascido no silêncio, pode nos transformar radicalmente. As partículas das nossas observações objetivas do dia-a-dia são então transmutadas nas ondas do nosso mundo interior e subjetivo de experiências. Esta é a verdadeira regeneração.”
Finalmente, tenhamos em mente as palavras de Jocelyn Underhill: “Para o ouvido espiritualmente treinado sempre há música aguardando para ser ouvida, e esse som insonoro eleva-se e segue adiante até que se une com a palpitação do eterno mar e o claro chamado das estrelas, sendo ambos acordes pertencentes à grande melodia das vozes dos anjos de Deus e dos filhos da manhã, a música que preenche o cosmo com uma harmonia eterna e divina.”
Vontade espiritual
Helen Zahara citou uma definição de C.W. Leadbeater: “A voz do silêncio para qualquer pessoa é aquela que vem da parte de si mesma que é mais elevada do que sua consciência normal pode alcançar.” Portanto, é lógico e natural que essa voz se modifique à medida que o indivíduo evolui. Essas mudanças podem ser consideradas como três estágios:
1. Para aqueles que têm o foco da consciência na personalidade, essa voz poderia se originar nos aspectos mais sutis da mente, onde há uma qualidade de compreensão conceitual e sintetizadora.
2. Para indivíduos mais sensíveis, poderia ser a voz de buddhi, que provê uma compreensão iluminada.
3. Eventualmente essa voz pode vir do nível de anima. Poderíamos então considerar a voz como vontade espiritual. A evolução monádica [de mônada: centelha da vida, a parte imortal do homem] iria repousar primariamente no futuro, para a humanidade.
Quando se chega ao adeptado, não há dúvida de que ainda há expressões mais sutis dessa voz. De acordo com os ensinamentos da sabedoria, esta originalmente começou com a Palavra ou o Grande Alento, que vibrou através do espaço no início do universo e através de sete grandes campos de consciência. Se o universo consiste desses vastos campos, e se nós somos parte da vida una, então ouvir essa voz ou som significa certamente despertar em cada um desses níveis. Como diz a Voz do Silêncio, “antes de colocares teu pé no degrau mais elevado da escada, a escada dos sons místicos, tens de ouvir a voz do teu deus interno de sete maneiras.” Essas sete maneiras são às vezes equacionadas com vibrações desses sete campos ou domínios, mas podem também ter outras conotações.
Por Linda Oliveira
Fonte:
http://www.sociedadeteosofica.org.br/artigos.asp?item=734&idioma=