domingo, 31 de janeiro de 2016

Por que a Evolução não é um simples fruto do acaso?






  "Certa vez, durante minha graduação em Ciências Biológicas, um professor de uma disciplina de Física apresentou à turma um pequeno problema. Ele nos pediu para que imaginássemos um conjunto formado por alguns palitos. Em seguida, deveríamos calcular as chances de que todos os palitos, ao serem jogados aleatoriamente, caíssem alinhados uns com os outros em uma determinada área. Não me recordo bem o número de palitos e o tamanho da área, mas no final da atividade concluiu-se que se fizéssemos uma jogada a cada segundo, levaríamos um tempo maior do que o tempo de existência do Universo para conseguir alinhar todos os palitos aleatoriamente. No fim, o professor terminou com a frase “alinhar palitos é muito mais fácil que formar uma girafa, por exemplo”.  O meu maior espanto não ocorreu com a colocação do professor. A biologia não fazia parte da sua formação e não era sua obrigação compreender como funciona a evolução. O que mais me assustou foi que uma turma formada majoritariamente por estudantes de biologia havia concordado com tal colocação.

   Se apenas a aleatoriedade atuasse na evolução, certamente ainda não existiria vida na Terra. Provavelmente o mais complexo material que encontraríamos no planeta seria alguns tipos de moléculas orgânicas. Formar um ser vivo complexo por pura aleatoriedade também levaria muito mais tempo do que a existência do Universo. No entanto, para a nossa sorte, existe um fator fundamental que gera e direciona a evolução: a seleção.

   Imagine o seguinte exemplo. Quais seriam as chances de que um computador programado para digitar aleatoriamente um conjunto de 31 caracteres a cada segundo, formasse a frase “a evolucao e um fato cientifico”? Para facilitar as contas, vamos considerar apenas as teclas referentes às letras do alfabeto e a barra de espaço. Temos então que para cada carácter existem 27 possibilidades (26 letras + a barra de espação). Como a frase é formada por 31 caracteres, as chances dessa frase aparecer aleatoriamente seriam de 1 em 2731. Isso dá um valor de 1/( 2,3565502 x 1044), ou:

1/235.655.020.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000

Isso quer dizer que se o computador fizesse uma tentativa a cada segundo, ele levaria, no mínimo, 7.4674569 x 1036 anos para compreender todas as possibilidades. Isso representa um tempo bilhões de bilhões de bilhões de vezes maior do que o tempo de existência do Universo.

   Agora imagine que este mesmo computador fosse programado para gerar várias combinações aleatória de 31 caracteres, e dentre essas combinações, escolher aquela que mais se assemelha à frase “a evolucao e um fato cientifico”. Essa combinação selecionada seria copiada para a geração seguinte, com chances de sofrer mutações em cada letra. Na geração seguinte, novas combinações seriam geradas a partir da combinação escolhida. Dentre essas novas combinações, a mais semelhante à frase alvo seria escolhida novamente para a geração seguinte. Esse processo se repetiria até que se formasse a frase desejada. Note que desta vez adicionamos o fator “seleção” no programa. E ele fará toda a diferença.

   Esse tipo de programa recebe o nome de Dawkins’ “Weasel” Program, em referência ao biólogo Richard Dawkins, que o propôs e o criou. É possível “brincar” com esse programa em sites como http://antievolution.org/cs/dawkins_weasel. Na primeira vez que rodei o programa com a frase “a evolucao e um fato cientifico” ele levou 57 gerações para chegar ao resultado esperado, como é possível ver a seguir:

Beginning run

Gen. 1, 4 letters, trskohdcwtxjkptdanty qmsgjajo v

Gen. 2, 5 letters, trskOhdCwtxjkpt anTy qmsgjajo v

Gen. 3, 6 letters, trskOhdCwtxjppt FnTy qmsgjano v

Gen. 4, 7 letters, trskOhdCwtxjppt FnTy qmsgjanI v

Gen. 5, 8 letters, trskOhdCwtxjppt FnTy qmsgjanICv

Gen. 6, 9 letters, trskOhdCwtxjpUt FnTy qmsgjanICv

Gen. 7, 10 letters, t skOhdCwtxjpUt FnTy kmsgjtnICv

Gen. 8, 11 letters, t skOhdCwyxjpUd FnTy CnsgjtnICv

Gen. 9, 11 letters, t skOhdCwydjpUd FnTy CnsgjtnICv

Gen. 10, 12 letters, t skOhdCwydj Ud FnTy CnsgjtnICv

Gen. 11, 12 letters, t skOhdCiydj Ud FnTy CnsgjttICv

Gen. 12, 13 letters, t skOhdCiydj Ud FnTy CIsgjttICv

Gen. 13, 13 letters, t skOhdCiydj Ud FnTy CIsgjttICv

Gen. 14, 13 letters, t szOhdCiydj Ud FnTy CIlgmttICv

Gen. 15, 14 letters, A szOhdCiydj Ut FnTy CIlgmtpICv

Gen. 16, 15 letters, A szOhdCiydE Ut FnTy CIlgmtpICv

Gen. 17, 15 letters, A szOhdCiydE Ut FnTy CIlgmtpICv

Gen. 18, 16 letters, A szOhdCAydE Ut FnTy CIlgmtpICv

Gen. 19, 17 letters, A szOhdCAydE Ut FnTy CIlgTqpICv

Gen. 20, 18 letters, A szOhdCAy E Ut FnTy CIogTqpICv

Gen. 21, 19 letters, A szOhUCAy E Ut FnTt CIjgTqpICv

Gen. 22, 20 letters, A szOhUCAO E Ut FnTt CIjgTqpICv

Gen. 23, 21 letters, A szOhUCAO E Ut FnTt CIjgTIpICv

Gen. 24, 21 letters, A szOhUCAO E Ut FnTt CIjgTIpICv

Gen. 25, 21 letters, A smOhUCAO E Ut FnTt CIjgTIpICv

Gen. 26, 21 letters, A suOhUCAO E Ut FnTt CIjgTIpICv

Gen. 27, 22 letters, A suOhUCAO E Ut FnTO CIjgTIpICv

Gen. 28, 23 letters, A suOhUCAO E Ut FnTO CIEgTIpICv

Gen. 29, 23 letters, A suOhUCAO E Ut FnTO CIEgTIpICv

Gen. 30, 23 letters, A suOhUCAO E Ut FnTO CIEgTIpICv

Gen. 31, 23 letters, A suOhUCAO E Ut FnTO CIEgTIpICv

Gen. 32, 24 letters, A suOhUCAO E Ut FnTO CIENTIpICv

Gen. 33, 24 letters, A suOhUCAO E Ut FnTO CIENTIpICv

Gen. 34, 25 letters, A EuOhUCAO E Ut FnTO CIENTIpICv

Gen. 35, 25 letters, A EuOhUCAO E Ut FnTO CIENTIpICv

Gen. 36, 25 letters, A EuOhUCAO E Ut FnTO CIENTIpICv

Gen. 37, 26 letters, A EuOtUCAO E Ut FATO CIENTIpICv

Gen. 38, 26 letters, A EuOtUCAO E Ut FATO CIENTIpICv

Gen. 39, 27 letters, A EVOtUCAO E Ut FATO CIENTIpICv

Gen. 40, 27 letters, A EVOtUCAO E Ut FATO CIENTIpICv

Gen. 41, 27 letters, A EVOtUCAO E Ut FATO CIENTIpICk

Gen. 42, 27 letters, A EVOtUCAO E Ut FATO CIENTIpICk

Gen. 43, 27 letters, A EVOtUCAO E Ut FATO CIENTIpICk

Gen. 44, 27 letters, A EVOtUCAO E Ut FATO CIENTIpICk

Gen. 45, 27 letters, A EVOtUCAO E Ut FATO CIENTIpICk

Gen. 46, 27 letters, A EVOtUCAO E Ut FATO CIENTIpICk

Gen. 47, 28 letters, A EVOLUCAO E Ut FATO CIENTIpICk

Gen. 48, 29 letters, A EVOLUCAO E Ut FATO CIENTIFICk

Gen. 49, 29 letters, A EVOLUCAO E Ut FATO CIENTIFICk

Gen. 50, 30 letters, A EVOLUCAO E UM FATO CIENTIFICk

Gen. 51, 30 letters, A EVOLUCAO E UM FATO CIENTIFICk

Gen. 52, 30 letters, A EVOLUCAO E UM FATO CIENTIFICk

Gen. 53, 30 letters, A EVOLUCAO E UM FATO CIENTIFICk

Gen. 54, 30 letters, A EVOLUCAO E UM FATO CIENTIFICk

Gen. 55, 30 letters, A EVOLUCAO E UM FATO CIENTIFICk

Gen. 56, 30 letters, A EVOLUCAO E UM FATO CIENTIFICk

Gen. 57, 31 letters, A EVOLUCAO E UM FATO CIENTIFICO

31 Matched! in 57 generations.

   Em outras duas rodadas, o programa levou 105 e 73 gerações, respectivamente, para chegar ao resultado esperado. Se o programa revelasse uma geração por segundo, ele levaria de 1 a 2 minutos para chegar ao resultado final. Isso é um tempo muito menor do que os bilhões de bilhões de bilhões de vezes o tempo de existência do Universo.

   Note que a combinação de letras foi gerada “ao acaso”, mas a seleção cumulativa ao longo das gerações direcionou essas mudanças, mantendo aquelas que mais se “adequavam” às nossas regras, e excluindo aquelas menos “adequadas”. As combinações selecionadas podiam se “reproduzir” para as próximas gerações. Esse experimento mostra o poder da seleção cumulativa.

   A evolução biológica ocorre de forma análoga. O DNA é uma molécula formada por milhares ou milhões de “letras”, os nucleotídeos. Existem quatro tipos de nucleotídeos que compõem o DNA – Citosina (C), Guanina (G), Adenina (A) e Timina (T). A ordem com que esses nucleotídeos estão dispostos ao longo da cadeia de DNA e a quantidade destes nucleotídeos, junto com outros fatores, determina as características do organismo. Toda essa sequência de nucleotídeos é chamada de genoma. Podemos dizer que o genoma, na nossa analogia, é a frase, enquanto os nucleotídeos são as letras. A cada vez que uma célula se divide, todo esse genoma é replicado de forma semiconservativa. Essa replicação está sujeita a falhas, o que insere mutações no genoma (assim como o nosso programa gera mutações aleatórias nas sequências de letras a cada replicação). Essas mutações, se passadas à próxima geração por meio das células reprodutivas (os gametas), podem (ou não) alterar características físicas, comportamentais e/ou fisiológicas. Se essas mutações causarem alterações desvantajosas, o organismo e seus descendentes terão menos chances de sobreviver e passar seus genes para a próxima geração. No entanto, se essa alteração, por menor que seja, trouxer algum benefício para o organismo, este terá mais chances de sobreviver a tempo de passar seus genes para a próxima geração. Como o DNA da próxima geração foi gerado por replicação semiconservativa a partir do DNA da geração anterior, ele não é “embaralhado” do zero, como no primeiro exemplo acima. Ele é copiado a cada geração, como no segundo exemplo, mantendo a maior parte do arranjo das sequências de nucleotídeos. Essa sequência pode ser alterada levemente pelas mutações. Mutações no DNA que geram características vantajosas são selecionadas pelo ambiente, aumentando as chances de reprodução dessas mutações. Esse processo recebe o nome de Seleção Natural. Com o tempo, essas mudanças vantajosas são selecionadas cumulativamente, gerando mudanças físicas significativas. Em 3,5 bilhões de anos de processo evolutivo constante, a vida na Terra foi capaz de se ramificar em milhões de formas distintas.

   No entanto, ao contrário do processo evolutivo biológico, nesse programa a seleção não é natural. Havia um objetivo final no programa, que era chegar à frase “a evolucao e um fato cientifico” definido artificialmente por mim.  A evolução biológica não tem um objetivo final, como alguns acreditam. Ela simplesmente acontece. Por outro lado, o programa deixa claro que a seleção é um agente capaz de direcionar e gerar evolução em tempos muito menores que a simples aleatoriedade.

   Por isso, da próxima vez que você ouvir que a vida na Terra não poderia apresentar as formas que apresenta por mero acaso, lembre-se do poder da seleção natural. É ela o motor principal da evolução, e, aliada ao tempo, ela é capaz de criar “infinitas formas de grande beleza”.

Fonte: O Relojoeiro Cego – Richard Dawkins – 1986


Texto de  Gabriel Negreira

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Biblioteca on line com mais de 1000 livros de Fernando Pessoa






Até agora, a biblioteca pessoal do poeta podia apenas ser consultada na Casa Fernando Pessoa mas, hoje, já podemos encontrar todo o acervo online, constituído por 1142 livros.

As obras podem ser pesquisadas por ano, ordem alfabética e por categorias temáticas e é também possível encontrar algumas páginas com manuscritos do próprio Pessoa.

Todas as páginas dos volumes e manuscritos foram digitalizados e podem ser consultados página a página ou após o download completo de uma obra.

Esta iniciativa reuniu uma equipa de investigadores, incluindo Jerónimo Pizarro, e o apoio da Fundação Vodafone Portugal que possibilitaram a digitalização integral e publicação online da biblioteca. Segundo Pizarro, neste repositório podemos encontrar várias “anotações, comentários, traduções e outros diversos tipos de textos em prosa e em verso, para além de desenhos, horóscopos e exercícios caligráficos” do poeta.

Uma forma de eternizar e louvar todo o trabalho do maior poeta da língua portuguesa.

Acesse aqui:





Fonte:

Shifter PT

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Prece...






"Que Deus ouça as preces que lhe dirijo quando estou mansidão e ternura. Quando estou contemplação e respeito. Quando as palavras fluem, sem esforço algum, sem ensaio algum, articuladas e belas, do lugar em mim onde eu e ele nos encontramos e brincamos de roda. Quando nelas incluo as pessoas que têm nome e aquelas que desconheço existirem. E os meus amores. E os meus desafetos. E os bichos. E as plantas. E os mares. E as estrelas. E

Que Deus ouça as preces que lhe dirijo quando o medo me acompanha sem que a coragem se ausente. Quando as coisas seguem o seu rumo sem que eu me preocupe em demasia com o destino desse movimento. Quando eu me sinto conectada com o amor e reverente à vida. Quando as lágrimas nascem apenas de um alegre e comovido sentimento de gratidão. Quando caminho com a rara confiança que só as crianças que ainda não doem costumam experimentar, já que, infelizmente, algumas começam a doer muito cedo.

Que Deus ouça as preces que lhe dirijo quando sou capaz de pressentir o sol mesmo atravessando uma longa noite escura. Quando posso cruzar desertos com a clara convicção de que a vida não é feita somente deles. Quando consigo olhar para todas as experiências, sem que aquelas que me desconcertam me impeçam de valorizar as que me encantam. Quando as tristezas que repentinamente me encontram não atrapalham a certeza da sua impermanência.

Que Deus ouça as preces que lhe dirijo quando amanheço revigorada e anoiteço tranquila. Quando consigo manter uma relação mais gentil com as lembranças difíceis que, às vezes, ainda me assombram. Quando posso desfrutar do contentamento mesmo sabendo que existem problemas que aguardam eu me entender com eles. Quando não peço nada além de força para prosseguir, por acreditar que, fortalecida, eu posso o que quiser, em Deus.

Mas eu desejo, profundamente, que Deus também ouça as preces que lhe dirijo quando eu não consigo elaborar prece alguma. Quando a dor é tão grande que minha fala não passa de um emaranhado de palavras confusas e desconexas que desenham um troço que nem eu entendo. Quando o medo me paralisa e perturba de tal forma que eu me encolho diante da vida feito um bicho acuado. Quando me enredo nas minhas emoções com tanta confusão que parece que aquele tempo não vai mais passar.

Que Deus ouça também as preces que lhe dirijo quando só consigo chorar e, mesmo depois de já ter chorado muito, tenho a sensação de ainda não ter chorado tudo. Quando me sinto exaurida e me entrego a esse cansaço completamente esquecida dos meus recursos. Há momentos em que a gente parece ignorar tudo o que pode nos ajudar a lidar melhor com os desafios. Há momentos, ainda, em que a gente se confunde sobre o local onde, de verdade, os desafios começam.

Que Deus ouça também as preces que lhe dirijo quando me parece que eu não acredito em mais nada. Quando sou incapaz de ver qualquer coisa além do foco onde coloco a minha dor. Quando não consigo articular meus pensamentos nem entrar em contato com alguma doçura que me faça lembrar das coisas que realmente nos movem. Quando não lhe dirijo nenhuma prece. Nem com palavras. Nem com um sorriso enternecido quando dou de cara com uma flor. Com um pôr-de-sol. Com uma criança. Com uma lua cheia. Com o cheiro do mar. Com o riso bom de um amigo. Que ele me ouça com o seu ouvido amoroso e me acolha no seu coração, porque é exatamente nesses momentos que eu não consigo ouvi-lo em mim."

Texto de Ana Jácomo

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O Mundo Contemporâneo Por Roberto Crema






"O mundo contemporâneo vive uma crise que denomino de demolição, lição do demo. Lição da fragmentação, da dissociação e da desvinculação. Por certo, necessitamos nos aprofundar no contexto crítico planetário, para compreender o sentido do que está desabando, mas também para entrever e acolher o milagre do que está desabrochando, do que está surgindo dos escombros.
Eis uma metáfora que aprecio muito, para indicar nosso momento de transição, caracterizado pela aceleração dos processos mutacionais: a lagarta já morreu e a borboleta ainda não nasceu.
Numa brevíssima e precária resenha histórica de contextualização, voltemos nossos olhos para o momento histórico, na inquieta pensamentosfera européia, que deu início a Idade Moderna, no século XVII e que depois se desdobrou através da revolução científica. Naquela ocasião, estávamos transcendendo um paradigma esclerosado, o mesmo que transcorre atualmente. Recordo que, no sentido mais amplo, como foi concebido por Thomas Kuhn, no seu livro sobre as revoluções científicas, um paradigma não é simplesmente uma filosofia, nem uma religião, nem uma ciência, nem uma arte; é uma estrutura que gera pensamentos e, portanto, gera ideologias, filosofias, ciências, artes e místicas.

O nascimento da modernidade

O paradigma medieval, que estava decadente no século XVII, era o aristotélico-tomista, uma síntese de Aristóteles com Tomás de Aquino, que prevaleceu durante séculos, tendo tido momentos maravilhosos, como o da Patrística, o dos monastérios e o da construção das catedrais. Entretanto, naquela ocasião, esta visão do mundo estava esgotada e desabando - como no momento está desabando o paradigma da modernidade – pelo peso de suas próprias contradições. Podemos sintetizar afirmando que, nos seus momentos mais obscuros, em função do dogmatismo e de uma tirania do divino, o paradigma medieval reprimia o fator objetivo e a mente analítica crítica, em nome de alguma coisa que, confusamente, era chamada de Deus. A“santa” inquisição matou mais seres humanos, proporcionalmente, do que a II Guerra Mundial, tendo se prolongado cruelmente durante séculos, sob o jugo despótico de uma religião desconectada do Espírito, que acabou se pervertendo num terrorismo consciencial, que silenciava e assassinava os seres humanos dotados das mentes mais ilustres e brilhantes, como a do Galileu. Basta lembrar de Giordano Bruno, que foi torturado e lançado numa fogueira, apenas por ousar pensar de forma lúcida e independente.
Então, precisamos levar em consideração aqueles seres humanos traumatizados por esse obscurantismo, que conspiraram por uma nova cosmovisão. Creio ser justo um elogio aos traumatizados de todos os tempos, esses seres humanos que sentem, na própria pele, a dor de uma humanidade dilacerada, insensível e esquecida de si mesma. Os mentores da idade moderna foram seres feridos por este trauma, que levantaram suas vozes, clamando por um mundo mais saudável e justo. Surge um Galileu, que vai nos introduzir no mundo da quantidade, de uma metodologia científica, hipotético-dedutiva. Atualmente, fala-se muito em qualidade, mas durante séculos ficamos fascinados com a leitura da realidade como sendo apenas aquela dos números, como denunciou tão bem René Guénon, em seu livro, O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos.
Bacon, numa época em que tudo era visto e julgado através de um livro que está na raiz da palavra biblioteca, a Bíblia, que apenas uma ínfima elite tinha acesso, diga-se de passagem, fez a revolução do empirismo, nos introduzindo aos cinco sentidos, como estratégia natural de investigação e experimentação na realidade. Bacon enfatizava o controle da natureza, com o seu famoso lema: saber é poder. Este princípio de dominação foi introduzido no cerne do pensamento moderno.
Depois, bradou sua voz aquele que é considerado o pai da razão analítica, Descartes, que partia da dúvida como método sistemático, tão traumatizado que estava pelos dogmas da época. Através do exercício de um raciocínio extraordinário, em algum momento, concluiu que precisava pensar para duvidar: penso, logo existo. O pensamento, então, passou a adquirir o estatuto de um fundamento ontológico. Surgiu, triunfante, a análise que é um método de decomposição sistemática, que busca compreender o todo por suas partes. Por outro lado, Descartes era um admirador das máquinas. Ele dizia que os filósofos apenas compreenderiam o ser humano se compreendessem as máquinas. A dimensão mecanicista, portanto, foi introduzida também no coração do novo paradigma.
Finalmente, o gênio raro de Isaac Newton, fez a magistral síntese da matematização de Galileu, do empirismo baconiano e do racionalismo analítico cartesiano, num edifício portentoso, que ele denominou de física mecânica. Newton extrapolou a metáfora da máquina para o universo, que passou a ser visto como um grande engenho, movido por leis eternas. Este modelo de Newton foi identificado com a própria ciência, durante os séculos seguintes.
Todo o movimento liberal da modernidade surgiu, de uma certa forma, para combater aquela imagem dominante de um Deus tirano, que reprimia a liberdade de pensar e de analisar. Voltaire bradava, Lembrem-se das crueldades! Assim, o racionalismo materialista científico pode ser compreendido como um movimento compensatório iluminista, de resgate da razão crítica, que culminou, no século XIX, na religião positivista de Comte, pregando o sermão do progresso, com uma pretensa física social.
Para se compreender a crise que estamos vivendo, não podemos deixar de visualizar esse surgimento do império da razão, com a magistral obra prima desses grandes mentores, que podemos denominar de racionalismo cientifico, inerentemente analítico, que inventou a disciplina que, por sua vez, engendrou o especialista, como o vidente do mínimo, o profeta do minúsculo. Saímos da fascinação pelo Todo para a veneração das partes.
Num movimento dialético, houve uma mudança de polaridade, que determinou um outro extremismo. A experiência da subjetividade, da interioridade e do sagrado, de onde jorram os valores de uma ética essencial, passou a ser reprimida em nome de algo que, de forma confusa, chamamos de ciência. O que foi um grito de inteligência, no século XVII, que conquistou a lucidez lógica e uma consciência de discriminação, no século XIX se transformou em dissociação e desvinculação. Enfim, o espírito científico, fundamentado numa indagação aberta e permanente, se degenerou em cientificismo, uma religião sem Deus! A universidade passou a ser um novo templo, com seu reitor denominado de Magnífico e seus sacerdotes travestidos de pensadores e técnicos. Naturalmente, houve uma hipertrofia da dimensão do conhecimento, sobretudo com a revolução informacional, e a correlata atrofia do universo interior, o empobrecimento lastimável do domínio subjetivo, o naufrágio do sujeito, que se degenerou em objeto.

A ditadura da razão

Em linhas muito vastas e precárias, eis como ocorreu a mudança de um pólo onde predominava uma visão sintética mística, para uma visão dominantemente analítica e objetiva, uma demência racional excludente, que Chesterton denunciou afirmando que louco é quem perdeu tudo, exceto a razão! Do obscurantismo das asas, dissociadas das raízes, passamos para o obscurantismo das raízes, desconectadas com as asas…
Os dois caminhos clássicos de apreensão da realidade, a religião e a ciência, funções que se inscrevem, metaforicamente, nos nossos hemisférios cerebrais - o esquerdo da lógica masculina racional-empírica e o direito, do coração e da intuição feminina -, foram considerados na ordem do antagonismo e da incompatibilidade. Isso levou a uma situação esquizofrênica, de ruptura entre o mundo interior e o exterior. Ou seja, perdemos de vista o que é a consciência da inteireza e o que é o fenômeno humano integral.
Como produto dessa contradição, estamos presenciando uma síndrome global, com sintomas que indicam um esgotamento criativo do paradigma da modernidade, que modelou uma atitude básica, dissociada e polarizada, perante a humanidade e o mundo. Os sinais trágicos dessa falência paradigmática são bastante visíveis nos noticiários de cada dia - a destruição dos ecossistemas, a exclusão de bilhões de seres humanos miseráveis, uma escalada de violência, terrorismos e guerras infindáveis, o abuso contra a infância – um dos mais dilacerantes sintomas, pois a criança é a guardiã do templo da dignidade e de um futuro viável - e essa falência escandalosa da ética. Enfim, um quadro de declínio e de quase fenecimento de nossa civilização.
Muito dessa discussão pode ser traduzida nas concepções de Ocidente e Oriente, compreendidas de forma transgeográfica, como estados de consciência, distintos e complementares. O Ocidente interior pode ser representado pelo hemisfério esquerdo, da tecnociência e da ação no mundo exterior. O Oriente interior pode ser simbolizado como o hemisfério direito, da mística, da musicalidade e da contemplação. Neste sentido, há uma bela sincronicidade, em português: Oriente-se! Precisamos orientar nossa ciência e tecnologia, nosso saber, por essa inteligência sintética, pelo Oriente interior, pelo hemisfério do amor. Esta integração precisa ter início dentro de cada um de nós, na ecologia individual, para que possa ser naturalmente transpirada, para a ecologia social e a ambiental.

Um novo aprender a aprender

Gosto de confiar que estamos despertando para essa premente necessidade, através do paradigma emergente, que é transdisciplinar holístico, postulando o diálogo aberto e sinérgico entre a ciência, a filosofia, a arte e a tradição espiritual.
Quando uma espécie encontra-se ameaçada na sua perpetuação, mecanismos intrínsecos, biológicos, da sua inteligência são acionados e um novo paradigma é concebido e desenvolvido, num processo orgânico e vital. É o que está acontecendo na minha percepção, em meio à agonia de um modelo racionalista e objetivista, esgotado e decadente. Trata-se de conservar o positivo da razão crítica e da ciência contemporânea, ousando abrir novos horizontes, rumo à integração dos aspectos reprimidos e negligenciados, para que transcorra uma sinergia de renovação. Entre os dois hemisférios cerebrais há uma ponte de milhões de neurônios, denominada de corpo caloso. Eis uma simbólica formidável de aliança, entre o Ocidente e o Oriente, entre o masculino e a feminino, entre a razão e o coração, a sensação e a intuição, o profano e o sagrado, a matéria e a Luz. Consciente desta solução criativa, Carl Sagan afirmava que o futuro da humanidade depende do corpo caloso.
Na abordagem holística, há um princípio que é muito valioso: não mesclar, não separar, nem fusão, nem divisão, nem “um” nem “dois”. A mescla da ciência com a religião é um equívoco alienante, um pseudosincretismo degradante. Por outro lado, considerá-las na ordem do antagonismo e da exclusão conduz a outra cilada, do sectarismo e desconexão. A ciência tem um caminho próprio, que é o analítico. A religião tem um caminho próprio, que é o sintético. Um não precisa do outro. Mas como afirmou Fritjof Capra, o ser humano necessita de ambos! São as duas pernas que um ser humano inteiro e íntegro necessita, para empreender uma jornada, com sentido e orientação.
Assim como a Idade Média enalteceu o um, da união indiferenciada do misticismo, a Idade Moderna se fundamentou no dois, da diferenciação dual, da separatividade analítica. Encontra-se em jogo, aqui, uma outra polaridade, que podemos denominar, metodologicamente, de symbolos e de diabolos. Symbolos é o fator que religa, da religiosidade e do método sintético, o um. O seu oposto é diabolos, o que divide e estabelece fronteiras, característica do método analítico, o dois. Num movimento dialético natural, o excesso de symbolos medieval nos levou a um excesso de diabolos, na modernidade. Necessitamos da virtude integrativa do três. Assim, um novo cosmo brotará do caos. Trata-se de um movimento natural da fusão para a diferenciação e desta para a Aliança, metaforizada no mencionado corpo caloso, que os antigos denominavam de Chifre do Unicórnio.

A Idade do Três

Através do paradigma transdisciplinar holístico, confio que inauguraremos a Idade do Três, através da emergência de um horizonte do saber e do ser, que transcenderá o que conhecemos convencionalmente como ciência e como religião. Creio que o futuro das novas gerações dependerá do desenvolvimento desta inteligência integral do potencial de nossa espécie. Manter o positivo do um, a união, e o positivo do dois, a diferenciação, numa metanóia de uma consciência de inteireza, onde aprenderemos a nos unir e nos diferenciar, no milagre do Encontro inclusivo, onde dançam o amante, a amada e o Amor.
Falando de um outro modo, há um denominador comum na crise contemporânea, que é o ego. Há um egocentrismo na fonte mesmo de todas as nossas contradições. Do ponto de vista psíquico, o ego representa o elemento básico e pessoal da separatividade. A crise de fragmentação tem o ego como seu suporte e agente fundamental. E não será pela lógica que inventou o problema que iremos resolvê-lo, naturalmente. Foi Carl Gustav Jung que postulou, no Ocidente, um processo iniciático, de iniciação ao mistério da totalidade, denominado de individuação: uma trilha no mundo interior que conduz a pessoa, da superficialidade egóica à centralidade do Self. Precisamos de uma visão transcendente que não é contra o ego e nem significa sua destruição, mas que poderá abri-lo para uma dimensão de solidariedade, de fraternidade e de comunhão, virtudes que emanam do hemisfério sintético.
No século XIX emergiram vários tipos de determinismos, com uma ênfase na competição e conflito. Darwin afirmava a competição entre as espécies no seu determinismo biológico. Marx postulava a competição entre as classes no seu determinismo econômico. Freud indicava a competição entre as potências psicológicas no seu determinismo psíquico… A Revolução Francesa, que representou um momento redefinidor da história ocidental, enalteceu três valores fundamentais: a liberdade, a igualdade e a fraternidade. O bloco liberal-capitalista centrou-se na liberdade, o bloco social-comunista na igualdade e, ambos, menosprezaram a fraternidade, frutos que eram do mesmo paradigma materialista, racionalista, atomístico e mecanicista.
Portanto, como lograr fraternidade, num mundo dilacerado por conflitos egocêntricos? Postulando um paradigma novo, da integração, do três. Essa virtude emana da mente sintética que é o apanágio das religiões. O que significa que é impossível a sobrevivência da espécie através de um salto qualitativo de consciência sem o resgate dessa visão, dessa consciência holística, capaz de solidariedade, através da experiência da comunhão, sem perder o valor do discernimento analítico.

Por um pacto da Aliança

Gosto de falar do que considero o pacto do século XVII, entre o poder despótico da época já mencionado, o da Igreja, e os frágeis representantes do racionalismo científico, naquela ocasião vulneravelmente emergente. Que pacto é este? É tão simples que dói: os cientistas deveriam se restringir à investigação do mundo objetivo da matéria, que pode ser manipulada, quantificada, controlada e a Igreja ficaria com o mundo interior, da alma, da consciência, do Espírito! Ora, a ciência fez um bom trabalho, explorando e construindo no mundo exterior. Infelizmente, a Igreja se fragmentou além da medida, tendo prevalecido a força da instituição e da hierarquia, que subjugou a conexão com o Sopro do Mistério, que se traduz na mística do amor compassivo. É motivo de alegria e consolo constatar que, no front da ciência, da filosofia, da arte e da espiritualidade, levantam-se os novos traumatizados, na tarefa conspiratória de atualizarem este esclerosado pacto.
Considero o novo pacto a abordagem que chamamos de transdisciplinaridade, uma convocação ao exercício dialógico entre os grandes fragmentos epistemológicos da ciência, arte, filosofia e mística, buscando resgatar a unidade do conhecimento e uma forma mais integrada de agir na realidade. Um documento seminal e impactante, da UNESCO, foi a Declaração de Veneza (1986), produto de um colóquio que congregou representantes notáveis das diversas áreas do saber e do fazer, com a liderança lúcida de Basarab Nicolescu. Este texto afirma ter a ciência chegado aos seus limites, necessitando de um premente e urgente diálogo com outras formas de conhecimento. Esse documento, juntamente com a carta magna da Universidade Holística Internacional, formulada por Pierre Weil, Jean-Yves Leloup e Monique Thoenig, representaram textos de base, que nos impulsionaram a realizar, em Brasília, o I Congresso Holístico Internacional, I CHI (1987), um encontro transdisciplinar formidável e definitivo, que deflagrou a criação da Fundação Cidade da Paz, mantenedora da Unipaz, hoje Rede Unipaz, que congrega dezenas de unidades no Brasil e no mundo. Este evento engendrou a Carta de Brasília, afirmando que uma nova civilização está nascendo e que uma mutação de consciência está em curso, traduzida pelo progressivo reconhecimento mundial da visão holística, que estabelece pontes sobre todas as fronteiras do conhecimento humano, resgatando o amor essencial como base da veiculação entre todos os viventes. Termina afirmando, de forma contundente: O século XXI será holístico, ou não será.
Outros documentos importantes e complementares, como a Declaração de Vancouver (1989), a Carta de Paris (1991), a Declaração de Belém (1992) e, de modo muito particular, a Carta da Trandisciplinaridade (1994), que foi gerada em Portugal, foram se somando e aprofundando este desafio tremendo, que aponta para a nova aliança, da ciência com a consciência. Merece ser destacado outro documento, formulado no Congresso de Locarno (1997), centrado no tema da evolução transdisciplinar da universidade, que postula os quatro pilares de uma nova educação: educar para conhecer, para fazer, para conviver e para Ser. Então, para que possamos aliar, através do Três, o efetivo ao afetivo, a razão ao coração, a análise à síntese, o intelecto ao espírito, o masculino ao feminino, precisamos seguir nos exercitando na estratégia da transdisciplinaridade, pois se encontra em jogo o futuro da humanidade e da própria biosfera.
Assim, nossa crise é também a da crisálida, a de uma transição consciencial, a do parto de uma nova forma de saber e de ser no mundo. Necessitamos de uma abertura para a renovação, para um salto quântico de consciência. A ciência materialista convencional, desprovida de uma visão de altitude e de uma ética de cuidado, tem sido mais um instrumento de dominação e de exclusão, sua tecnologia sendo utilizada de forma irresponsável e perversa ecologicamente, destituída das motivações mais nobres. Lembro-me de Oppenheimer, que coordenou a Operação Manhattam, que gerou a bomba atômica, quando viu esse artefato explodir Hiroshima e Nagasaki que, para ele, foi uma experiência dilaceradora. Depois de estudar ciências sociais, ele afirmou: O maior perigo da humanidade é o cientista alienado.
Com relação às contradições religiosas, podemos citar que em 2003, de acordo com Bob Walter, presidente da Fundação Joseph Campbell, presenciamos cerca de 35 guerras, das quais 33 tiveram causas religiosas. Precisamos de uma religião de fato, que honre a etimologia da própria palavra: religare. Nossa tarefa comum, como conlamava Dante Alighieri, e a de sermos Sumos Pontífices, pontes entre a terra ao céu. De outra forma, seremos cada vez mais vítimas de um certo “materialismo religioso”, uma máfia de instituições pseudo-religiosas, que movimenta bilhões de dólares, explorando a legítima fome de infinito que habita o coração, o cerne do ser humano, dominando e alienando rebanhos, através de manipulações que bem conhecemos.

Espiritualidade transreligiosa

Juntamente com a transdisciplinaridade, precisamos exercitar a transculturalidade, a convivência e o respeito às diversas culturas, com a riqueza de suas singularidades e no reconhecimento daquilo também que elas têm de comum. É fundamental, também, o desenvolvimento da espiritualidade transreligiosa, que respeita todas as religiões, ao mesmo tempo que as transcendem, fundamentando-se nos valores comuns compartilhados, do amor compassivo e da fraternidade universal. Nossa ênfase, portanto, é numa espiritualidade transreligiosa, cuja essência se traduz por amor e cuja prática se encarna no exercício solidário e fraterno. Está aí a emergência de uma nova forma de ser religioso no mundo atual. Colocar ênfase não naquilo que é histórico, naquilo que é do domínio existencial e institucional e sim no transhistórico, nos valores perenes, no plano essencial.
Todas as religiões surgiram do sagrado, esse assombro perante o Mistério da Vida, que não é um latifúndio de nenhuma instituição. O sagrado é uma experiência vital e numinosa, que pode ser vivida no exercício da ciência, da filosofia, da arte e também no da religião, naturalmente. Enfim, trata-se do milagre devastador e atômico do Amor, a tecnologia sutil mais sofisticada de todos os universos. Penso em Teilhard de Chardin, que afirmava que, quem sabe, depois de dominar as forças da natureza, dos furacões, dos maremotos, quem sabe a humanidade dominará as forças do Amor. Então, pela segunda vez na história, o ser humano terá inventado o fogo…
De fato, o maior perigo da humanidade é o ser humano alienado. Sobretudo quando se trata da alienação do que é o mais propriamente humano, do Ser que viemos dar testemunho na Terra. Necessitamos de uma pedagogia do cuidado e da inteireza, que possa facilitar o florescimento total do humano.

Educação integral

O jardineiro é, talvez, a metáfora mais plena do que é um verdadeiro educador. O que faz um jardineiro? Prepara um solo fértil, banhado pela luz solar, rega-o com a água justa propiciando os nutrientes minerais apropriados e uma poda adequada a cada planta. Se o terreno é bem cuidado, a planta tem um tropismo para se desenvolve por si mesma, na direção do que realmente é. Nenhum jardineiro é tão tolo a ponto de querer ensinar uma rosa a ser uma rosa ou um jasmim a ser um jasmim. Ou, pior ainda, comparar uma rosa com um jasmim, exigindo de todas as flores o mesmo resultado, através de um mesmo currículo!…
Eis, também, a tarefa do autêntico educador: cultivar um solo propício para que o aprendiz desvele a sua palavra e revele a sua singularidade. Trata-se de apoiar e, também, de frustrar, pois os limites têm que ser aplicados, centrados no aprendiz. E jamais utilizar a técnica perversa da comparação, através de uma ética do respeito à diferença, ao semblante único de cada aprendiz. Por que um ser humano não floresceria se tivesse esse cuidado? Vale ainda afirmar que o bom jardineiro é menos o conhecedor da botânica e mais o amante da planta. Aí, estamos diante da grande pedagogia do amor, que é a primeira e a derradeira lição na escola da existência.
Como já afirmamos, a proposta de uma educação integral, transdisciplinar, centra-se em quatro alvos fundamentais: por um lado, aprender a conhecer e a fazer. Por outro, aprender a conviver e a Ser. Os dois primeiros, embora de forma muito fragmentada, são considerados na educação convencional. Estas tarefas precisam ser aperfeiçoadas, para que o conhecimento seja mais unificado e a ação mais integrada e com sentido.

Aprender a conviver

O grande desafio é o de aprender a conviver – consigo mesmo, com o outro, os outros, a natureza – ou seja, viver com. Para tal, precisamos do que tenho denominado de uma alfabetização psíquica, que consiste em colocar e integrar a alma nas escolas. É o que temos feito a quase duas décadas, na Universidade Holística Internacional, Unipaz. Todos os nossos programas e projetos visam, inicialmente, a um processo de integração das quatro funções psíquicas, pesquisadas por Jung: a razão e o coração (o pensamento e o sentimento), a sensação e a intuição. O racionalismo científico é produto da articulação e dialogicidade da função da sensação – o empirismo - com a função do pensamento – o racionalismo. A grande ingenuidade desta abordagem analítica é pretender compreender a totalidade psíquica através de apenas duas de suas funções! Então, urge uma estratégia educacional que possa facilitar a cada aprendiz a identificação das funções psíquicas que são dominantes, em si, para desenvolver as que estão atrofiadas, buscando integrá-las e harmonizá-las.
Compreendo que alfabetizar a alma implica no desenvolvimento de três inteligências: a emocional, a relacional e a onírica. É fundamental um currículo através do qual o aprendiz possa aprender a expressar as emoções naturais, que são mecanismos homeostáticos imprescindíveis para a manutenção da saúde, no nível individual e coletivo. Aprender a expressar afeto, alegria, tristeza, raiva e medo é muito importante para o aprendiz não precisar substituí-las com emoções secundárias e disfuncionais, que na análise transacional são denominadas de disfarces, a exemplo da ansiedade, culpabilidade, angústia, ira, vingança, desespero, etc. Quanto a tarefa de desenvolver a inteligência relacional, gosto de lembrar de uma afirmação de Carl Rogers, um grande líder do movimento humanístico: A maior descoberta do século XX foi o grupo! Portanto, as diversas dinâmicas de grupo precisam ser introduzidas nas escolas, desde o pré-primário, para que o aprendiz possa bem se instrumentar na arte de se relacionar – consigo, com o outro e com o mundo – através do exercício do diálogo e da intimidade. Finalmente, a inteligência onírica também é indispensável, para transitarmos no universo criativo do sonhar. Sabemos que a linguagem do sonho é tão importante quanto os pensamentos de vigília, exercendo uma função compensatória, trazendo reportagens significativas da alma da pessoa, sinalizando novas direções, trazendo questões não resolvidas que precisam de atenção, podendo nos conectar com o inconsciente coletivo e cósmico. É trágico constatar como a escola convencional despreza esta dimensão tão rica e criativa, apenas por transcender a lógica racional, na qual se fundamentou o paradigma da modernidade. É como uma empresa que trabalha de dia e de noite e que apenas valoriza os produtos diurnos. Relegar as preciosidades que advém da mente onírica é, no mínimo, uma irresponsabilidade consciencial.

Aprender a Ser

Não há desafio maior, entretanto, do que educar para Ser. Para tal, necessitamos de uma pedagogia iniciática, que inicie o aprendiz a desenvolver os talentos que o Mistério lhe confiou, rumo a realização de uma plenitude possível. Uma pedagogia que facilite, por uma via interior, que o aprendiz da Vida possa, além de saber, florescer através do seu dom singular, que eu denomino de vocação, a voz mais profunda e permanente do desejo que habita cada ser humano. Voltarei a este nobre tema, pela sua importância norteadora. Neste sentido, necessitamos desenvolver uma inteligência noética, que nos abra para o silêncio, de onde toda palavra justa brota. Uma pedagogia da meditação e da contemplação, que possa abrir as portas da percepção, para o exercício de uma criatividade máxima. Neste sentido, as tradições espirituais autênticas, da sabedoria perene, podem nos auxiliar, através de seus arsenais de práticas, destinadas a abrir um olhar capaz de perceber o novo e desenvolver o poder da intuição, inteligência global que captura o coração do instante. Além do caminho analítico, que acumula conhecimentos de forma progressiva, necessitamos da via sintética, capaz de não saber, esta virtude preciosa da douta ignorância. Ser capaz de se esvaziar do conhecido, das memórias que nos soterram no passado, para viabilizar um processo de recriação e de renovação permanentes. É preciso lograr a profundidade e altitude do Ser, para que sejamos sujeitos do próprio destino. Diz a sabedoria dos Upanichads: O que for a profundeza do teu ser, assim será o teu desejo. O que for o teu desejo, assim será a tua vontade. O que for a tua vontade, assim serão teus atos. O que forem teus atos, assim será o teu destino.
Enfim, não se estagnar e permitir o processo, o devir, é característica da existência criativa e plena. Afirma o poeta Pessoa: A vida é breve, a alma é vasta. Ter é tardar. Ora, se ter é tardar, Ser é partir…

Desenvolvimento e cosmovisão

Quando falamos do desenvolvimento, do que estamos falando, afinal? Para que possamos compreender os diversos sentidos desta palavra, necessitamos esclarecer nossos pressupostos antropológicos, ou seja, a visão que postulamos do humano e do mundo, nossa cosmovisão. Pois esta visão modela nossa atitude perante o humano e o universo, determinando o que compreendemos como desenvolvimento, como educação, como evolução… Inspirando-me em Jean-Yves Leloup, há quatro pressupostos antropológicos. O primeiro é o materialista: o ser humano é apenas um corpo dotado de um cérebro; é um macaco nu. Desenvolvimento, nesta visão, se resumirá na questão da prosperidade material, ou seja, desenvolvimento econômico. Esta é a visão mais superficial deste enfoque e, infelizmente, o que prevalece no mundo materialista contemporâneo. Por esta razão, consideramos que um país desenvolvido é o que tem uma economia forte, um PIB de natureza exclusiva material. É importante aprofundar e complexificar esta avaliação.
O segundo pressuposto é o psicossomático: o ser humano é um corpo dotado de informações, de alma. Neste caso, desenvolvimento não é só material; é também o da alma, da qualidade de pensamentos, de emoções, de sonhos, de relacionamentos, da subjetividade e intersubjetividada. Para lograr este desenvolvimento, necessitamos de uma alfabetização psíquica, no marco de uma educação integral, acima indicada. Neste caso, um país pode ter uma economia fraca e uma alma próspera enquanto outro pode ter uma economia forte e uma alma miserável…
O terceiro pressuposto é trinitário: o ser humano é um composto de corpo, de alma e de nous, que podemos traduzir por consciência pura, sem objeto, metaconsciência, a ponta acerada da alma. O ser humano é dotado de uma qualidade ímpar, a da consciência da consciência. Dizia Mestre Eckart: O Espírito é mais próximo a mim do que meu hálito. O mesmo é verdade para as pedras e plantas. Só que elas não sabem disso!… A dimensão noética é constituída de silêncio e de imagens estruturantes, arquétipos da alma profunda; é a nossa mente contemplativa, capaz de quietude e de paz, aberta ao essencial, de onde emanam os valores éticos perenes. Desenvolvimento noético é logrado através de uma pedagogia meditativa, aberta à dimensão essencial e do que denominamos de imaginal, o universo arquetípico que estrutura a alma e a existência, conforme delineamos resumidamente acima.
O quarto pressuposto afirma que o ser humano é um composto de dimensões: do corpo, da alma e da consciência, atravessado pelo Mistério da Vida, pelo Espírito, que os estruturam e vitalizam. Aqui, a dimensão essencial é levada em consideração e valorizada como o que permanece na impermanência de tudo, o Ser Que É no coração do ser que passa. A dimensão noética, da consciência, é a única que, por ser constituída de silêncio e de uma abertura ao essencial, pode refletir a Luz do Espírito. Portanto, não há desenvolvimento espiritual; só se desenvolve o que tem um início e terá um fim. O que podemos desenvolver é o corpo, a alma e a consciência, para que a Essência possa se manifestar na existência, para que o Absoluto possa dar um sentido e direção ao relativo. Na minha leitura, Cristo indicou esta realidade quando afirmou que o Espírito está pronto, a carne é fraca. Não há desenvolvimento do Espírito; há um despertar para o Ser, para a Vida.
Considero importante diferenciar existência de Vida. Existência é uma manifestação e exteriorização provisória da Vida, que é Absoluto, Espírito. Certa ocasião Buda indagou aos seus discípulos o que era o oposto da morte. Todos responderam: a vida. Buda corrigiu: O oposto da morte é o nascimento, pois a Vida é eterna. E Cristo também afirmava trazer Vida, Vida em abundância. Está lá no preâmbulo do João: No princípio: o Logos, o Logos está voltado para Deus, o Logos é Deus. …Ele é a vida de todo ser, a vida é a luz dos homens. Ele está no mundo, o mundo existe por meio dele, mas o mundo não o conhece. …E o Logos se fez carne e fez sua morada entre nós… A grande tragédia é que estamos sendo fanáticos da existência e tombamos ao largo da Vida, do Mistério que realmente somos! Quando alguém faz aniversário, desejamos-lhe muitos anos de existência. Quando aprenderemos a desejar muita Vida nos anos? Não importa muito se viveremos alguns anos a mais ou a menos. O que importa é que haja Vida em nossos passos, a chama do Amor em nossos dias.
É um fato auspicioso o tanto que se fala, atualmente, de Qualidade de Vida. Já falamos muito de quantidade, nos últimos séculos. Para se auferir quantidade, basta uma máquina, um computador. Para se verificar qualidade é necessário um sujeito, uma alma, uma consciência. É pela conexão com a Vida que a nossa existência adquire centralidade, sentido e orientação.

Dimensões do cuidado

Eis, portanto, as três dimensões suscetíveis de desenvolvimento no ser humano: o corpo, que corresponde ao aspecto econômico; a alma, relativa ao aspecto político, do poder psíquico; e a consciência noética, relativa ao universo da ética e da sabedoria, o alvo mais elevado de um desenvolvimento integral, segundo a filosofia perene. Para desenvolver esta virtude, as tradições sapienciais nos oferecem seus caminhos para o despertar. O cristianismo, através da contemplação, oração, e evocação do Nome; o hinduísmo, com suas diversas yogas, o budismo com o seu leque de vias meditativas, o sufismo com a dança dos dervixes, o taoísmo com a meditação ativa das artes marciais que surgiram em templos, o xamanismo com suas artes do sagrado… Na pedagogia da Unipaz, denominamos de holopráxis a estas diversas vias para o despertar da Presença.
É necessário questionar essa falácia do progresso, tão decantada por Comte no século XIX. Para Comte, considerado o fundador da sociologia, há uma lei dos três estados, na história do conhecimento humano: a teologia representa o primeiro estágio infantil; a metafísica, seria de transição para o positivo, a maturidade, período científico definitivo. O seu positivismo, postulado como uma religião, pregava a ordem e o progresso, fundamentado na física mecânica, com seus dois capítulos básicos: o da estática (ordem) e o da dinâmica (progresso). Tal ideologia acabou contaminando nossa República e estampada em nossa bandeira nacional, que passou a ser um instrumento de propaganda do lema básico positivista - Ordem e Progresso. Penso que o povo brasileiro, com seu grande coração, é maior do que esta bandeira, que precisa ser atualizada com uma dimensão quântica, aliada à mecânica. Ordem e Progresso são valores fundamentais, de uma razão analítica; precisam ser conservados. Como não há tempo a perder, sugiro adicionar outras duas virtudes, do universo feminino, no hemisfério sintético de nossa bandeira: Amor e Solidariedade. Porque, bem sabemos, sem o amor compassivo a ordem pode se degenerar em ditadura e o progresso em exclusão e dominação. Novamente, trata-se de atrevermos a realizar a arte da Aliança, para que a tecnociência esteja a serviço de uma ética do coração e do bem comum.
Sobretudo depois do fatídico 11 de Setembro, as pessoas conscientes estão se perguntando: o que é um país desenvolvido?; o que é uma pessoa educada?; o que é, realmente, progresso?…
Enfim, essencialmente o que é o desenvolvimento, se não a possibilidade de dar continuidade ao processo da holocriação? Co-criar: é isso que o Mistério nos brindou como oportunidade suprema na Arte do Encontro, pura alquimia de transmutação. Considero uma bela e portentosa utopia a que consta como terceiro princípio de um documento muito lúcido e impactante, denominado de Europa de Consciências, que surgiu de um movimento impulsionado por eminentes humanistas, liderado por Abé Pierre, na França, denunciando as contradições catastróficas de um materialismo onipresente, organizado e global: Submeter o econômico ao político e o político à sabedoria. Em outras palavras, o fator material econômico precisa ser conduzido pelo político psíquico e este pela sabedoria ética da consciência noética. Mãos à Obra Prima?!…
O Projeto Humano é vasto; somos um espaço onde o próprio Universo pode tomar consciência de si, saborear-se, saber-se, sorrir… A missão humana é a do Pontifex, a de uma ponte entre o infra-humano e o supra-humano. Recapitulamos todos os Reinos: há em nós o reino mineral – ossos e dentes, nossa dimensão adâmica de argila -, o vegetal – o sistema vegetativo, a flora intestinal, as plantas dos pés – o animal – os instintos, a libido. Há também o reino angelical – o Aleluia, este Louvor ao Ser que É – o arcangelical – chama ardente da compaixão, uma sabedoria maior que nossa razão – e o Reino da Luz. Todos se aliam num coração humano capaz de abertura, de doação, de Amor incondicional. Desenvolver este potencial, que os antigos denominavam de Anthropos, a inteireza humana, eis o maior desafio dos séculos vindouros!

Além do ego

Importa insistir que a questão do desenvolvimento é de natureza existencial; precisamos cuidar daquilo que teve início em nós e que, um dia, findará. O Espírito Incriado sempre esteve, está e estará no coração diamantino da Essência Humana. Como pode se desenvolver o que jamais teve início, o que jamais findará? Trata-se, então, de desenvolver o existencial para que o Essencial possa se manifestar nos meandros tortuosos do existir humano. O que precisamos desenvolver é a dimensão corporal, a dimensão psíquica e a dimensão noética ou consciencial profunda de onde uma ética do coração jorra, naturalmente, se aí lograrmos evolução e qualidade. Para tal, é necessária a disciplina da ascese, de um trabalho no cotidiano sobre si mesmo, de um investimento na exploração e edificação do cosmo interior. Quando a nossa mente se esvazia a nossa taça de plenitude transborda!… O futuro da humanidade depende do resgate de uma mística natural, de comunhão, participação, vinculação. Toda injustiça e exclusão é produto da ilusão de separatividade, determinada pela clausura e prisão do ego, fonte de toda guerra, interior e exterior. A questão crucial de um desenvolvimento integral é a de lograr que o ego seja orientado pelo Ser que nos faz ser…
Penso numa passagem de Alexandre, o Grande, quando esteve no deserto com Diógenes, um grande sábio. Alexandre, que foi preparado por um bom mestre, o Aristóteles, e sabia reconhecer um homem digno, disse ao Diógenes: - Peça-me o que quiser que eu lhe darei. E o sábio respondeu: - Apenas se afaste, pois você está tapando o sol!… Gosto desta estória como uma boa metáfora a nos indicar que a tarefa suprema é a de afastar Alexandre, o Grande, ou seja, o ego desmesurado, para que a Luz do Sol da Essência possa nos aquecer, iluminar e redimir.
O Sol do Ser sempre está presente, mesmo nos dias mais nublados. Nossa tarefa é a de afastar as nuvens das enfermidades e sintomas do corpo, as nuvens das inclinações indevidas, ferimentos e traumas da alma e as nuvens da ignorância existencial da consciência, que nos impede de refletir o que está aí desde todo o sempre e para sempre - o Alfa e o Ômega, o Infinito Eterno.
Não há desenvolvimento consistente sem autodesenvolvimento. O tema da evolução é imperativo na questão humana. Pois não nascemos humanos; nós nos tornamos humanos, através de um investimento sistemático em nós mesmos, não apenas no plano material; sobretudo na esfera da subjetividade, da alma e da consciência. Já afirmava um grande mestre da Excelência Humana, há dois milênios: De que vale você ganhar o mundo inteiro se você perdeu a sua alma; se você não sabe quem você é, de onde você vem, para onde você vai?…

Meta princípios para um desenvolvimento integral

Quero concluir apontando para alguns meta princípios, princípios de princípios, que considero fundamentais na arte da transformação e da auto-realização. Considero-os chaves preciosas no processo de cura e de individuação, rumo à saúde e plenitude, que trinta anos de exercício terapêutico me ensinaram.
O primeiro meta princípio fala de uma meta patologia, uma patologia existente em todas as patologias: existe uma fonte comum a todo sofrimento humano que é o apego, compreendido como uma identificação – com um objeto, um valor, um desejo, uma pessoa, um status… Desde que você se identifique com algo, você sentirá medo de perder, pois tudo está em mutação, e o stress se seguirá ao temor. Pierre Weil resumiu, em palavras modernas, este meta princípio da sabedoria perene, através de um esquema claro e simples: O apego leva ao medo, que conduz ao stress e a todas essas enfermidades da civilização que são tão bem conhecidas: Apego – Medo – Stress. Na realidade, o apego é derivado do que Weil denominou de fantasia da separatividade: como nos sentimos separados do todo, num movimento compensatório, nos apegamos; como se os apegos representassem tábuas de salvação. Neste circuito vicioso nos perdemos numa equação singela, de fácil constatação: quanto mais apegos, mais sofrimento. Querer desapegar-se é uma outra forma de apego, mais sutil. Qual a saída?
Encontramos a saída através do segundo meta princípio, que aponta para uma meta-terapia, um princípio terapêutico inerente a todo processo terapêutico: a plena atenção, que se traduz por Presença, estar conectado ao instante. Existe uma pequena atenção, quando há uma concentração em algum aspecto da realidade, o que implica em resistir a todas as demais estimulações. A plena atenção é derivada da qualidade noética, consciência da consciência. O que Krishnamurti denominava de atenção sem escolha, um estado aberto e inclusivo de vigília. Toda transformação expressa esta conexão com o aqui-e-agora, o que caracteriza a saúde plena. Uma pessoa saudável não é uma pessoa que não tem problemas; é uma pessoa que está atenta, a cada instante, aos problemas e às maravilhas do existir. É uma atenção sem foco específico, um estado meditativo, sem tensão, sem concentração. A patologia emana da desatenção. A plena atenção é uma função natural do despertar da kundalini, de acordo com psicologia hindu. A palavra Buda deriva do sânscrito bodh, que significa desperto. Buda, portanto, é aquele que despertou plenamente para o real, que é o agora, o instante que nos nutre de tudo o que necessitamos. É através da plena atenção aos apegos que se torna possível transcendê-los. Neste estado de atenção pura, deixamos de ser possuídos pela ilusão do passado e ficção do futuro, aptos a uma responsabilidade, uma habilidade de responder ao agora. Eis um sermão de sabedoria crística: Vigiai e orai!
Ao terceiro meta princípio de um desenvolvimento integral, denomino de círculo da aceitação. O movimento de aceitação, de modo algum implica em passividade ou acomodação. Pelo contrário; aceitar é uma qualidade dinâmica, quando nos fazemos não duais com a realidade e, nesta inteireza, somos plenificados de energias, o que possibilita a transformação ou superação do obstáculo em questão. Nós apenas mudamos aquilo que aceitamos, num primeiro momento. Quando não aceitamos algum aspecto da realidade, seja interna ou externa, nós nos dividimos – entre o ideal e o real – o que nos leva a uma dispersão energética. Sem energia não é possível a transformação. Assim, a não aceitação nos leva a um esgotamento energético, que nos encerra no círculo vicioso da estagnação. O alinhamento lúcido com a realidade é o que nos possibilita sua transcendência. Eis a força do que Mahatma Gandhi afirmava ser o resumo de todas as orações: Seja feita a vossa vontade. Este processo virtuoso pode ser assim resumido: eu me alinho com a realidade para estar inteiro e com a energia advinda desta integridade, posso atirar-me no processo de transmutação da própria realidade. Falando de um outro modo, há três tipos de pessoas que querem transformar o mundo: o rebelde, o revolucionário e o conspirador. O rebelde é alguém imaturo, que tem problemas não resolvidos com as autoridades, com o papai e mamãe no interior de si mesmo, projetando-os no exterior, sendo sempre do contra; em suma, é uma pessoa que necessita de psicoterapia. O revolucionário já é uma pessoa com maturidade, que faz a crítica das contradições sistêmicas e postula uma ideologia que considera mais justa. Entretanto, há sempre uma arrogância nesta atitude de querer mudar o mundo, sem antes ter se transformado. Em função disto é que presenciamos praticamente a derrocada de todas as revoluções. Finalmente, o conspirador é a pessoa que fez a revolução no interior de si mesmo, trabalhando com o ditador no seu próprio coração, dando um testemunho de autotransformação, naturalmente tornando-se um facilitador da transformação social e ambiental. O conspirador é aquele conhecedor de si, que se deu conta que é um pedacinho de praça pública e caso queira ser agente de qualidade, de desenvolvimento no mundo, ele tem que começar por este pedacinho de universo que lhe foi confiado. Este é o líder capaz de aceitação de si, do outro e da realidade, assumindo um autêntico papel de agente de transformação. O autoconhecimento para o qual nos convocavam Sócrates, e todos os grandes mestres, é a única forma de prevenir a humanidade das guerras, dos genocídios e das grandes tragédias. Porque somente mata o outro, somente viola e exclui aquele que não se conhece, porque se conhecer é se conhecer na relação, na vinculação com o outro e com o Totalmente Outro, o Mistério que, reconhecido ou não, sempre está presente.
O quarto meta princípio, é o da vocação. É o que traduzo afirmando que somos filhos de uma promessa que nos fizemos, de um juramento sagrado. Encarnamos para realizar uma obra prima individual e intransferível, com os talentos que a Vida nos brinda, sobre medida. Quando me esqueço e me afasto da vocação, vou atrair problemas, atrair doenças, que podem ser compreendidas como denúncias de contradições e de desvios. A grande tarefa evolutiva é a pessoa se lembrar da sua própria promessa, fazendo jus aos talentos que recebeu e que precisa fazer render na existência. Considero a parábola dos talentos indicativa deste metaprincípio fundamental. O normótico – alguém que sofre da patologia da normalidade, adaptando-se a um contexto doente e não cultivando seu potencial evolutivo - é aquele que enterra os talentos recebidos, com medo do seu próprio florescimento, de sua capacidade de realização, de amar e de servir. Jonas, do Antigo Testamento, representa o arquétipo desta normose, que atrai tempestades quando foge da própria missão. Por outro lado, sempre que nos aproximamos do caminho da promessa, da trilha com coração, o Mistério conspira por nós, enviando-nos tudo o que necessitamos, para florescer a partir do solo fecundo de nossos talentos. Considero a questão vocacional um dos maiores desafios, que poderá nos levar a transcender a polaridade insuficiente do especialista e do generalista, tarefas que os computadores poderão assumir por nós.
Finalmente, o quinto meta princípio é o do serviço, o viço do Ser, que expressa a suprema Lei do Amor, esse amor de onde viemos e para onde retornaremos, já que estamos condenados a amar. A existência é uma escola para onde viemos aprender a amar e a servir a partir de uma vocação particular. Não há forma de servir mais excelente do que você se tornar quem você realmente é. Eis um poema altaneiro do grande Tagore: Oh amigo meu, amiga minha, meu coração está angustiado pelo peso de todos os tesouros, que não entreguei a ti. O que nos pesa é o que retemos, o que não ofertamos. Na realidade, apenas temos o que oferecemos, o que servimos, que nenhum ladrão e nem mesmo a morte poderá nos roubar. Eis o epitáfio que gostaria, quem sabe um dia, de merecer: Confesso que servi."

Roberto Crema

(texto de 2008)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Uma explicação





Uma explicação não cartesiana para a Consciência



O texto a seguir é do site Spirit Science and Metaphysics.

“Um livro intitulado "O biocentrismo: Como a vida e a consciência são as chaves para entender a natureza do Universo" agitou a Internet, porque contém uma noção de que a vida não acaba quando o corpo morre, e ela pode durar para sempre. O autor desta publicação, o cientista Dr. Robert Lanza, que foi eleito o terceiro mais importante cientista vivo pelo NY Times, não tem dúvidas de que isso é possível.

Além do tempo e do espaço

Lanza é um especialista em medicina regenerativa e diretor científico da Advanced Cell Technology Company. Antes ele ficou conhecido por sua extensa pesquisa que tratava com células-tronco, também era famoso por várias experiências bem sucedidas sobre clonagem de espécies animais ameaçadas de extinção.

Mas não há muito tempo, o cientista se envolveu com física, mecânica quântica e astrofísica. 

Esta mistura explosiva, deu à luz a nova teoria do biocentrismo, que o professor vem pregando desde então. O biocentrismo ensina que a vida e a consciência são fundamentais para o universo. É a consciência que cria o universo material, e não o contrário.

Lanza aponta para a estrutura do próprio universo e que as leis, forças, e as constantes do universo parecem ser afinadas para a vida, o que implica inteligência existindo antes da matéria. Ele também afirma que o espaço e o tempo não são objetos ou coisas, mas sim ferramentas de nosso entendimento animal. Lanza diz que carregamos espaço e tempo em torno de nós “como tartarugas com conchas." O que significa que quando a casca sai (espaço e tempo), nós ainda existimos.

A teoria sugere que a morte da consciência simplesmente não existe, só existe como um pensamento porque as pessoas se identificam com o seu corpo. Eles acreditam que o corpo vai morrer, mais cedo ou mais tarde, pensando que a sua consciência vai desaparecer também. Se o corpo gera a consciência, então a consciência morre quando o corpo morre. Mas se o corpo recebe a consciência da mesma forma que uma caixa de cabos recebe sinais de satélite, então é claro que a consciência não termina com a morte do veículo físico. Na verdade, a consciência existe fora das restrições de tempo e espaço. Ela é capaz de estar em qualquer lugar: no corpo humano e no exterior da mesmo. Em outras palavras, é não-local, no mesmo sentido que os objetos quânticos são não-local.

Lanza também acredita que múltiplos universos podem existir simultaneamente. Em um universo, o corpo pode estar morto. Em outro ele continua a existir, absorvendo consciência que migrou para esse universo. Isto significa que uma pessoa morta, enquanto viaja através do mesmo túnel acaba não no inferno ou no céu, mas em um mundo semelhante em que ele ou ela uma vez habitou. E assim por diante, infinitamente. É quase como um efeito “boneca russa” cósmico de vida após vida.

Alma

Assim, há abundância de lugares ou outros universos, onde a nossa alma poderia migrar após a morte, de acordo com a teoria de neo-biocentrismo. Mas será que a alma existe? Existe alguma teoria científica da consciência que poderia acomodar tal afirmação? Segundo o Dr. Stuart Hameroff, uma experiência de quase-morte acontece quando a informação quântica que habita o sistema nervoso deixa o corpo e se dissipa no universo. Ao contrário de explicações materialistas da consciência, Dr. Hameroff oferece uma explicação alternativa de consciência que pode, talvez, apelar para a mente racional científica e as intuições pessoais.

Consciência reside, de acordo com Stuart e físico britânico Sir Roger Penrose, nos microtúbulos das células cerebrais, que são os sítios primários de processamento quântico. Após a morte, essa informação é liberada do corpo, o que significa que a  consciência vai com ela. Eles argumentaram que a nossa experiência da consciência é o resultado de efeitos da gravidade quântica nesses microtúbulos, uma teoria que eles batizaram redução objetiva orquestrada (Orch-OR).

Consciência, ou pelo menos proto-consciência, é teorizado por eles como sendo uma propriedade fundamental do universo, presente até mesmo no primeiro momento do universo durante o Big Bang. Em um desses esquemas - “experiência proto-consciente” é uma propriedade básica da realidade física, acessível ao processo quântico associado com atividade cerebral.

Nossas almas estão, de fato, construídas a partir da própria estrutura do universo - e podem ter existido desde o início dos tempos. Nossos cérebros são apenas receptores e amplificadores para a proto-consciência que é intrínseca ao tecido do espaço-tempo. Então, há realmente uma parte de sua consciência, que é não-material e vai viver após a morte de seu corpo físico?

(...) Esta explicação de consciência quântica explica coisas como experiências de quase-morte, projeção astral, experiências fora do corpo e até mesmo a reencarnação , sem a necessidade de recorrer a ideologias religiosas. A energia de sua consciência potencialmente é reciclada de volta em um corpo diferente em algum momento, e nesse meio tempo, ela existe fora do corpo físico em algum outro nível de realidade, e, possivelmente, em outro universo.”

Fonte: http://www.spiritscienceandmetaphysics.com/scientists-claim-that-quantum-theory-proves-consciousness-moves-to-another-universe-at-death/

Carta do Cacique Seattle de 1855.





Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou esta carta ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios. Faz mais de um século e meio. Mas o desabafo do cacique tem uma incrível atualidade. Segue a carta:


“O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade.

Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano.

Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem. Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo.

Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver.

Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos.

Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.

Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos.

E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d’água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho.

O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.

Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem.

Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.

Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos.

Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco.

A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos.

Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora.

Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência. Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã.

Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos.

Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe.

Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos.

Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.”


Letter From Chief Seattle to President Pierce, 1885


In 1851 the Suquamish and other Indian tribes around Washington's Puget Sound were faced with a proposed treaty which in part persuaded them to sell two million acres of land for $150,000. Chief Seattle of the Suquamish tribe was a very spiritual and articulate man. If he gave a speech on that occasion, it might well have sounded like this:


How can you buy or sell the sky, the warmth of the land? The idea is strange to us. If we do not own the freshness of the air and sparkle of the water, how can you buy them?


Every part of this earth is sacred to my people.


Every shining pine needle, every sandy shore, every mist in the dark woods, every clearing and humming insect is holy in the memory and experience of my people. The sap which courses through the trees carries the memories of the red man.


The white man's dead forget the countryof their birth when they go to walk among the stars. Our dead never forget this beautiful earth, for it is the mother of the red man.


We are part of the earth and it is part of us.


The perfumed flowers are our sisters; the deer, the horse, the great eagle, these are our brothers.


The rocky crests, the juices in the meadows, the body heat of the pony, and man--all belong to the same family.


So, when the Great Chief in Washington sends word that he wishes to buy land, he asks much of us. The Great Chief sends word he will reserve us a place so that we can live comfortably to ourselves.


He will be our father and we will be his children. So we will consider your offer to buy our land.


But it will not be easy. For this land is sacred to us.


This shining water that moves in the streams and rivers is not just water but the blood of our ancestors.


If we sell you land, you must remember that it is sacred, and you must teach your children that it is sacred and that each ghostly reflection in the clear water of the lakes tells of events and memories in the life of my people.


The water's murmur is the voice of my father's father.


The rivers are our brothers, they quench our thirst. The rivers carry our canoes, and feed our children. If we sell you our land, you must remember, and teach your children, that the rivers are our brothers, and yours, and you must henceforth give the rivers the kindness you would give any brother.


We know that the white man does not understand our ways. One portion of land is the same to him as the next, for he is a stranger who comes in the night and takes from the land whatever he needs.


The earth is not his brother, but his enemy, and when he has conquered it, he moves on.


He leaves his father's graves behind, and he does not care.


He kidnaps the earth from his children, and he does not care.


His father's grave, and his children's birthright, are forgotten. He treats his mother, the earth, and his brother, the sky, as things to be bought, plundered, sold like sheep or bright beads.


His appetite will devour the earth and leave behind only a desert.


I do not know. Our ways are different from your ways.


The sight of your cities pains the eyes of the red man. But perhaps it is because the red man is a savage and does not understand.


There is no quiet place in the white man's cities. No place to hear the unfurling of leaves in spring, or the rustle of an insect's wings.


But perhaps it isbecause I am a savage and do not understand.


The clatter onlyseems to insult the ears. And what is there to life if a man cannot hear the lonely cry of the whippoorwill or the arguments of the frogs around a pond at night? I am a red man and do not understand.


The Indian prefers the soft sound of the wind darting over the face of a pond, and the smell of the wind itself, cleaned by a midday rain, or scented with the pinion pine.


The air is precious to the red man, for all things share the same breath--the beast, the tree, the man, they all share the same breath.


The white man does not seem to notice the air he breathes.


Like a man dying for many days, he is numb to the stench.


But if we sell you our land, you must remember that the air is precious to us, that the air shares its spirit with all the life it supports. The wind that gave our grandfather his first breath also receives his last sigh.


And if we sell you our land, you must keep it apart and sacred, as a place where even the white man can go to taste the wind that is sweetened by the meadow's flowers.


So we will consider your offer to buy our land. If we decide to accept, I will make one condition: The white man must treat the beasts of this land as his brothers.


I am a savage and I do not understand any other way.


I've seen a thousand rotting buffaloes on the prairie, left by the white man who shot them from a passing train.


I am a savage and I do not understand how the smoking iron horse can be more important than the buffalo that we kill only to stay alive.


What is man without the beasts? If all the beasts were gone, man would die from a great loneliness of spirit.


For whatever happens to the beasts, soon happens to man. All things are connected.


You must teach your children that the ground beneath their feet is the ashes of your grandfathers. So that they will respect the land, tell your children that the earth is rich with the lives of our kin.


Teach your children what we have taught our children, that the earth is our mother.


Whatever befalls the earth befalls the sons of the earth. If men spit upon the ground, they spit upon themselves.


This we know: The earth does not belong to man; man belongs to the earth. This we know.


All things are connected like the blood which unites one family. All things are connected.


Whatever befalls the earth befalls the sons of the earth.


Man did not weave the web of life: he is merely a strand in it.


Whatever he does to the web, he does to himself.


Even the white man, whose God walks and talks with him as friend to friend, cannot be exempt from the common destiny.


We may be brothers after all.


We shall see.


One thing we know, which the white man may one day discover, our God is the same God. You may think now that you own Him as you wish to own our land; but you cannot. He is the God of man, and His compassion is equal for the red man and the white.


This earth is precious to Him, and to harm the earth is to heap contempt on its Creator.


The whites too shall pass; perhaps sooner than all other tribes. Contaminate your bed, and you will one night suffocate in your own waste.


But in your perishing you will shine brightly, fired by the strength of God who brought you to this land and for some special purpose gave you dominion over this land and over the red man.


That destiny is a mystery to us, for we do not understand when the buffalo are all slaughtered, the wild horses are tamed, the secret corners of the forest heavy with scent of many men, and the view of the ripe hills blotted by talking wires.