sábado, 4 de fevereiro de 2012
A saúde da alma é o amor a Deus
- “A saúde da alma é o amor de Deus” – afirma São João da Cruz (C 11,11).
Que sabemos do amor? Como poderíamos defini-lo? Disse Santa Teresa: “Nem sabemos o que é amar... não é Deus nos consolar...” No mundo hedonista em que vivemos, onde tantas vezes o amor está associado ao prazer, ou aos consolos humanos, acreditamos que estamos sendo amados enquanto estamos sendo consolados.
Também na vida espiritual ocorre o mesmo. Temos nossa primeira experiência com Deus e esta, naturalmente, vem associada por algum tipo de consolo espiritual. É o início da caminhada. O Senhor deseja nos atrair para si, e começa atraindo os nossos sentidos que estão tão dispersos, derramados nas coisas do mundo. Somos como criança; para largarmos algo perigoso para nós é preciso que sejamos compensados por outra coisa mais atrativa.
Na medida em que avançamos, crescemos também na nossa “estatura” de homens espirituais, e não podemos seguir movidos pelos gostos ou consolos nos nossos sentidos. Deus, que nos ama infinitamente, deseja nos elevar no nosso baixo modo de amar. E não há maior amor do que desejar ser igualado à Sua maneira de amar. Esta é a pedagogia de Deus, e todos nós, se crescemos em nossa vida de intimidade com Ele, iremos experimentar a Sua doce mão sobre nós, a nos educar e nos corrigir, e também isto é amor.
Falar em João da Cruz causa estranhamente em nós três sentimentos: admiração, sedução e medo. Admiramos seu exemplo de vida, sua santidade, sua abnegação diante da dor, seu silêncio, sua contemplação... Somos seduzidos ao entrarmos em contato com seu relato autobiográfico que suscita em nós uma grande vontade de imitá-lo, mas vem-nos também um outro sentimento: o medo! Medo de sofrer como ele sofreu, medo das renúncias, medo da vida de sacrifício, medo da radicalidade... muitos medos! Ao meu ver, tudo isto porque desconhecemos o que dava impulso à vida deste homem: saber-se amado por Deus. Esta era uma convicção profunda que dava sentido a toda a sua vida. Mesmo na dor, na alegria, no abandono dos irmãos, nos sofrimentos da família, nas enfermidades, nas calúnias, nas perseguições, no calor das boas e santas amizades... em tudo São João da Cruz sabia ser amado por Deus. A sua casa estava construída sobre este terreno seguro, e podia vir o que viesse, nada o abalava.
Este homem de experiência soube aproveitar-se de todas as circunstâncias de sua vida para deixar-se amar por Deus, inclusive nas “famosas” “noites escuras” ou nos tempos de purificação. Se a nossa saúde está no amor de Deus, então se acolhermos tudo como sendo amor, sairemos dali mais curados e sadios no nosso ser interior.
Em um de seus poemas, o “noite escura”, em uma determinada estrofe o santo refere-se a esse período de sua vida como sendo um tempo “ditoso”, abençoado, feliz. E por que o diz? Será que em meio à dor é possível fazer tal afirmação? Quem sabe pela fé... porque na experiência sabemos que os tempos de purificação são muito dolorosos. Mas a que o santo se refere? São João da Cruz está fazendo uma leitura retrospectiva de sua vida e se dá conta de que esses momentos dolorosos foram abençoados por causa dos frutos que foram colhidos em sua vida. Dirá ele que é coisa de grande consolo perceber que algo tão contrário aos nossos gostos, que são as purificações, produza tantos bens na alma (cf. 1N11,4). E que frutos são esses? O santo irá assim enumerá-los (cf. 1N12,2):
1. Saímos da “sujeição” ou escravidão dos sentidos, no qual estamos atados, presos a só fazermos aquilo que gostamos ou que nos dá prazer;
2. Libertação do “gosto e sabor” sensoriais que exercem um domínio total, escravizante, sobre nós, sobre nossa vida espiritual, sendo causa e motivo dos nossos comportamentos egoístas e soberbos, que nos levam a viver na mentira e na superficialidade, como “crianças”; por isso mesmo, o nosso modo de amar muitas vezes é tão pouco espiritual e gratuito;
3. Liberdade de espírito, liberdade no amor de Deus. Não estaremos mais condicionados aos nossos sentidos, àquilo que sentimos ou experimentamos, amaremos com liberdade e nos deixaremos ser amados sempre, em todas as ocasiões.
O santo ainda afirma que esse tempo de purificação é um meio para conhecermos mais e melhor a Deus e a nós mesmos; conhecimento de nós mesmos e de nossas misérias. Ficamos frente a frente com nossas debilidades, instabilidades, pecados. Deste modo saímos curados de nossa soberba, de nos julgarmos melhor que nossos irmãos. Também conhecimento de Deus. Vale a pena lembrar que a “noite” a que o santo se refere, ou esse tempo de graça de Deus em nossa vida, não é ausência de luz, pelo contrário, é excesso de luz. Diria ainda que é um caminho obrigatório para se chegar à luz. Nos tempos escuros ficamos como uma pessoa “encandeada”, aparentemente sem norte, mas há uma luz que está a nos guiar, e esta mesma luz nos revela a grandeza e a excelência de Deus. Esta revelação gera a humildade, e da humildade nasce a caridade, o amor mais limpo e gratuito a Deus e ao próximo, indissoluvelmente unidos. Assim, em nossa relação com Deus, João da Cruz diz que a partir daí já não seremos movidos pelos “gostos ou sabores” da obra... mas somente para dar gosto a Deus (cf. 1N13,3). E na nossa relação com o próximo, a humildade faz-nos capazes de valorizá-lo, ver suas qualidades. O santo conclui assim: “E daqui nasce o amor ao próximo: porque os estima e não os julga como antes...” (1N12,7-8). É curado o ser relacional do homem: “Faz-se manso para com Deus, para consigo e para com o próximo” (ib., 13,7). Sem arrogância nem soberba (ib., 12,9), encontrando o caminho da sobriedade, espiritual e material (cf. 1N13,1.3).
Tempo sagrado em que vão se firmando em nós, cada vez mais, a fidelidade e a gratuidade da nossa entrega, e estas só florescerão no terreno da verdade. Portanto, se queremos ser curados, devemos não somente aceitar mas até desejar a purificação em nossa vida, deixando-nos guiar pelo próprio Cristo que foi à nossa frente dando-nos o exemplo de como devemos entrar na Noite: com o coração despojado, vazio e com aceitação do sofrimento. Assim experimentaremos a cura das feridas que o pecado do orgulho gerou em nós.
Que Santa Teresinha nos ajude neste caminho de união com Deus. Que ela nos ensine a via da Infância Espiritual, que é o caminho da confiança e do total abandono nas mãos do Pai. Que juntos com ela possamos dizer... “É isto o que agrada ao Bom Deus na minha pequena alma, agrada a Deus me ver amar minha pequenez e minha pobreza, é a esperança cega que tenho em sua misericórdia... eis o meu único tesouro”.
Por Ana Geórgia Bezerra
Comunidade Shalom