sábado, 2 de abril de 2011

Agricultura Biodinâmica / A arte de cuidar da Terra




Uma compreensão profunda das leis da vida, adquirida através de uma abordagem qualitativa e global da Natureza é a base da agricultura biodinâmica.

Ela abre novas vias para que o Homem se reconcilie com a Natureza e cumpra a sua missão de mediador entre o céu e a terra.


A agricultura biodinâmica foi fundada na Alemanha, em 1924, por Rudolf Steiner. Em resposta a um grupo de agricultores, que lhe solicitaram orientações para resolver os problemas de degradação ambiental decorrentes das práticas agrícolas, Steiner criou então o “curso aos agricultores”. As conferências que o integraram estão reunidas num livro que constitui os fundamentos da biodinâmica.

A abordagem proposta por Steiner baseia-se numa compreensão profunda das leis que regem o que é vivo, tendo por pano de fundo “a fecundação das forças terrestres pelas forças cósmicas”.

Esta ciência agrícola não é um simples método ou um conjunto de receitas; é antes um caminho, uma arte de cuidar da terra, onde cada agricultor ou jardineiro precisa de desenvolver uma percepção e sensibilidade abrangentes. Através delas, pode adaptar a prática agrícola às condições concretas de cada região e entender o que se passa na sua quinta ou jardim.

Segundo a concepção biodinâmica, a Natureza está de tal modo degradada pelo Homem que já não é capaz de se regenerar por si mesma. Hoje, é necessário que o mesmo Homem exerça uma ação terapêutica para incrementar a vitalidade e a saúde do solo, das plantas e dos animais. Esta ação é essencial para se produzir alimentos saudáveis e melhorar a qualidade do ambiente.


Em Sintonia com o Universo

Na perspectiva biodinâmica, o Homem tem uma missão a cumprir na terra: trazer a ordem do Universo à matéria virgem, espiritualizando-a.

Para isso, deve procurar entender a dinâmica da vida e equilibrar as duas categorias de forças que atuam nos seres vivos: as forças da luz e as forças da terra.

Assim, o agricultor biodinâmico coopera com as diferentes formas de vida, criando relações com todos os reinos da Natureza, e promove a canalização e concentração de energias para transformar a matéria.

A ideia subjacente é a de que “o Céu faz nascer, a Terra alimenta e o Homem afina”.

As quintas biodinâmicas funcionam como antenas que captam a energia cósmica e impregnam a matéria com essa informação. Como resultado, o agro-sistema é vivificado e são produzidos alimentos que, pelas suas qualidades, ajudam o homem a sintonizar-se com a sua natureza espiritual.

Na prática, a agricultura biodinâmica partilha alguns aspectos com a agricultura biológica.

As unidades produtivas têm uma elevada diversidade biológica, o que minimiza o desenvolvimento de pragas e doenças. São usadas a rotação e a consociação de culturas, bem como a fertilização orgânica e é totalmente rejeitado o uso de agro-químicos. No entanto, a biodinâmica toma em consideração outros aspectos para além dos meramente materiais.

O que a distingue são três elementos fundamentais: o uso de preparados biodinâmicos para tratar o solo e as plantas, o composto usado como fertilizante e a utilização de um calendário astrológico na escolha dos momentos para realizar as actividades agrícolas.


Religar a Terra ao Céu

Este calendário, desenvolvido por Maria Thun, indica, para os dias de cada ano, as atividades que devem e não devem ser realizadas, de acordo com as energias cósmicas que chegam à Terra (interpretadas à luz de conhecimentos astrológicos).

Através dele, o agricultor sabe quais são os momentos favoráveis para impregnar o solo e as plantas com as qualidades que os vivificam.

Por exemplo, ao lavrar um solo num momento favorável a esta prática, ele concentra energias que promovem a vida microbiana e a microfauna que nele vivem - e são fundamentais à sua fertilidade.


As constelações zodiacais simbolizam (ou informam sobre) as forças formadoras que atuam na Terra. O calendário leva em linha de conta não apenas os signos em que os planetas transitam mas também os ângulos que estes formam entre si, tomando a Terra como referencial. São ainda considerados os movimentos ascendentes e descendentes do Sol e da Lua (relativamente à altura máxima face ao horizonte terrestre), pois a eles está ligada a actividade dos elementais.


As três atividades agrícolas mais fortemente influenciadas pela energia que chega do céu, e que, portanto, devem seguir mais de perto as indicações do calendário são: as lavouras, as sementeiras, e a dinamização e aplicação do preparado 501, que regula a assimilação da luz por parte da clorofila.

Nas palavras de Xavier Florin, engenheiro agrónomo do Mouvement de Culture Bio-Dynamique (Confederação das Associações de Biodinâmica Francesas), “o calendário ajuda a pôr-nos novamente em contacto com o cosmos”. Porém, não basta seguir as indicações nele contidas para promover esta ligação: um sistema agrícola convencional (onde a fertilização é química e se utilizam pesticidas e herbicidas) praticamente não reage à utilização do calendário.


O organismo agrícola

Para que uma unidade agrícola possa responder às influências cósmicas, é necessário que nela se cultive segundo o método biodinâmico já há algum tempo, dado que este permite reduzir a poluição (que está na base da não resposta face às forças da luz). Aliás, quanto maior for o número de anos de cultura biodinâmica, maior é essa resposta.

Ao contrário da agricultura convencional, o método biodinâmico não tem por objetivo a maximização das produções no curto prazo.

No centro do seu interesse está a vida.

Toda a prática converge no sentido da busca da saúde, da beleza (como resultado da harmonia) e da perenidade.

Assim, as quintas biodinâmicas são concebidas como um organismo vivo, onde as suas componentes mineral, vegetal e animal estão em equilíbrio.

Enquanto que na agricultura biológica pode haver uma unidade que apenas produz vegetais, numa quinta biodinâmica há sempre uma grande diversidade de animais, em relação de equilíbrio com as produções vegetais.

Essa diversidade também é procurada relativamente às plantas, incluindo-se muitas que não se destinam à produção agrícola.

Cada planta tem uma relação com o céu e nela há influências planetárias dominantes. Por isso, a escolha das plantas e da sua disposição espacial numa quinta tem em conta estas influências, para criar harmonia e equilíbrio de forças. É respeitada também a simpatia e a antipatia que existe entre plantas vizinhas para que se desenvolvam melhor.

O solo de uma quinta biodinâmica é considerado um órgão vivo do sistema e não um mero suporte para as culturas. A própria fertilização, mais do que alimentar quantitativamente as plantas, visa manter e estimular a vitalidade do solo. É por isso que é dada uma tão grande importância ao processo de compostagem, com vista a integrar os minerais em formas vivas e utilizáveis pelas plantas. Para guiar o processo de maturação do composto são usadas preparações feitas a partir de aquilea milfolhas, camomila, urtiga, casca de carvalho, dente de leão e valeriana.

Procurando minimizar os danos à estrutura do solo, as lavras são superficiais e em número reduzido. O solo é modelado em micro-relevos (faixas sobrelevadas de 60 ou 120 centímetros de largura) para promover um maior arejamento e, portanto, uma maior interpenetração das forças terrestres e da água com as energias cósmicas. Para além das vantagens ao nível de uma maior estruturação do solo e do incremento da infiltração e retenção da água, o cultivo em montículos estimula o desenvolvimento radicular profundo, tornando as plantas menos frágeis face às variações externas.


A semelhança das chamadas medicinas alternativas, a biodinâmica considera que os parasitas surgem em plantas doentes. As plantas atraem-nos para corrigir o dano que existe na sua força vital. Por isso, a atenção do agricultor centra-se nas causas desse dano. Entretanto, são muitos os truques usados para proteger as culturas de pragas e doenças. Usam-se plantas que atraem os pulgões, para que estes não ataquem as árvores de fruto. Planta-se eufórbia para afastar as toupeiras. Dispõem-se algas marinhas calcáreas sobre o solo para afastar as lesmas. Coloca-se rede sobre as culturas para as proteger dos pássaros.


Ação terapêutica

Os desequilíbrios ao nível da força vital das plantas são corrigidos com a aplicação de preparados biodinâmicos, feitos a partir de plantas, minerais e estrume de vaca, e administrados como se de medicamentos se tratassem.

Para além das preparações usadas no composto (da 502 à 507), utiliza-se uma preparação sobre o solo (a 500), antes de este receber as sementeiras ou plantações, a fim de incrementar a vida microbiana, essencial à absorção de minerais por parte das plantas. A aplicação deste preparado, feito a partir de estrume de vaca, estimula o desenvolvimento das raízes.

Sobre as plantas utiliza-se o preparado 501. Consiste em cristais de quartzo moídos, que foram enterrados no solo, da Páscoa ao Outono, dentro de um corno de vaca. Este preparado intervém ao nível da maturação e frutificação, tendo uma ação determinante nos processos ligados à formação do gosto, do aroma e da coloração dos frutos.

Os preparados 500 e 501 são dinamizados antes da aplicação. Após diluição numa grande quantidade de água, submetem-se a uma agitação rítmica, feita manualmente, durante uma hora. Esta prática permite estabelecer uma ponte com alguns dos princípios da homeopatia.

As preparações biodinâmicas chamam as forças necessárias às plantas e ao solo, quando aplicadas no momento cósmico favorável. Não atuam como adubos químicos, que restituem uma substância em falta, nem combatem os sintomas; agem estimulando o organismo vivo no seu meio natural, levando-o a um estado ótimo, de sanidade.


Qualidade versus Quantidade

Devido a esse fato, a utilização de preparados biodinâmicos não tem relação direta com a produtividade das culturas agrícolas.

Os estudos científicos realizados desde os anos 50, comparando os efeitos dos métodos convencionais, biológicos e biodinâmicos, mostraram que em solos naturalmente ricos os preparados tendem a baixar o rendimento das culturas. Pelo contrário, em solos pobres, conduzem a produções mais abundantes do que os dois outros métodos agrícolas.

A explicação destes resultados reside no efeito de harmonizar e compensar os desequilíbrios devidos ao solo, clima ou outros fatores externos. Se uma cultura tende a produzir demasiadas substâncias por um crescimento desmesurado, os preparados baixam um pouco o rendimento em favor da qualidade.

Apesar dos inequívocos benefícios ambientais decorrentes da prática da biodinâmica, é neste ponto - a qualidade dos alimentos - que reside a maior distinção entre os três métodos agrícolas.

Ao falar-se aqui de qualidade nutritiva, alude-se não apenas ao aumento do teor de certas substâncias essenciais, como as vitaminas, mas também ao incremento de uma certa forma de vitalidade.

Recorrendo a métodos qualitativos, que permitem uma abordagem global, pode testar-se esta qualidade supra-material. As cristalizações sensíveis de cloreto de cobre, desenvolvidas por Ehrenfried Pfeiffer, permitem objectivar e verificar essa vitalidade, ou seja, a vida na matéria. Uma solução do produto a ser testado e cloreto de cobre é cristalizada sobre uma placa de vidro, resultando uma imagem que traduz a qualidade do produto.

É curioso comparar-se, por exemplo, as cristalizações sensíveis de uma amostra de leite biodinâmico cru e do mesmo leite após ter sido submetido a 2 minutos de fervura. O padrão de cristalização encontrado no primeiro é meramente residual no segundo, apesar de quimicamente o produto se manter inalterado.

São usados ainda outros métodos qualitativos, como a morfocromotografia ou as gotas sensíveis (que não cabe aqui descrever) para testar objetivamente a qualidade sutil dos produtos. Estes testes têm revelado que a agricultura biológica traz um acréscimo de vitalidade (forças de crescimento) aos alimentos, enquanto que o contributo da biodinâmica se traduz numa estruturação mais equilibrada (forças de organização).

Costuma dizer-se que “somos aquilo que comemos”. Não será de estranhar, então, que vários autores refiram que comer alimentos biodinâmicos facilita uma ligação mais consciente com o universo.

Peter Kunz afirma que “Todas as percepções estimulam processos interiores no ser humano, vivificam ou perturbam parcialmente órgãos específicos e influenciam o nosso estado geral”. Reforçando a qualidade sensorial dos alimentos, permite-se aos seres humanos reencontrar as suas forças formativas.

Neste momento, em que o ser humano mergulhou profundamente na materialidade, e a poluição cria um ambiente de “excesso de forças da terra”, a biodinâmica parece ser um caminho certo para nos ajudar a evoluir no sentido de uma maior espiritualização.


Cristina Nogueira Baptista


Fonte
biosofia net