"Esse negócio de ser careca e pai de meninas é muito complicado.
Porque, aos poucos, estou aprendendo que os cabelos das minhas filhas são seres humanos.
Parecem a barriga da Pugli.
São carentes de constante atenção.
Precisam de Condicionador.
Eu não uso Condicionador.
A última vez que usei chamava Creme Rinse.
Então vou lá e compro a porra do Condicionador.
E o Shampoo.
Shampoo eu uso.
Uso que nem quando eu tinha cabelo.
Lavo meus cabelos com shampoo todos os dias.
E sou exigente com a marca.
Malin+Goetz de pimenta.
Porque sou gordo, mas elegante.
Coloco o shampoo na minha mão em concha e massageio o que restou de cabelo, delicadamente, como se fossem o último casal de pandas.
Creme Rinse não precisa porque meu cabelo é muito liso.
Mas o das meninas?
Nossa.
São fartos e lisos.
Mas precisam de tudo.
Precisam de elásticos. Mas tem que ser uma raça específica.
Precisam de escovas. Mas não pode ser qualquer uma.
Fazem tranças, rabos, coques.
Chapinha e secador, tem lá no armário delas.
E para cortar?
A última vez que as levei para cortar o cabelo precisei vender um iMac usado na OLX para pagar a conta.
Agora, sempre que pedem, escorre uma lágrima.
Mas de todas as estranhezas que tenho com cabelo, uma é inaceitável:
A toquinha.
Eu não entendo porque alguém usa toquinha.
- Pai, tem toquinha? - grita enrolada na toalha.
- Ve no meu banheiro! - respondo.
- Ah pai, não zoa! é sério!!
Se não tem, que tal exercer o saudável hábito de lavar, me pergunto.
Mas não encontro resposta."
E tem mais...
"Não tenho irmãs.
Então até minhas filhas nascerem eu não fazia ideia que a fêmea da espécie humana é um animal com hábitos tão diferentes dos seres humanos normais.
Das diferenças todas, a que mais me chama a atenção é o hábito de frequentar um salão de beleza.
Para me aprofundar no assunto, ontem levei minha filha a um desses salões.
Ela levou semanas perguntando o que deveria fazer em testes de múltipla escolha.
Porque mulher não faz questão aberta.
Descobri que minhas respostas não serviram de nada.
O peso da manicure na decisão é muito, mas muito maior do que meus palpites.
Eu sou só o pai, convenhamos.
Mas calma. Vamos por partes.
Chegamos no enorme salão.
Bem iluminado cheio de mulheres em seu pior estado.
Porque num cabeleireiro ocorre uma espécie de trégua unilateral na dança do acasalamento milenar entre homens e mulheres.
Ver as mulheres em um cabeleireiro é como abrir o capô de um carro para ver o motor.
É interessante, mas se você não entende, melhor não dar palpite.
Passo por uma senhora atacada por um enxame de papéis prateados.
Dou um passo para trás assustado, mas ela sequer tira os olhos da revista.
Até uns anos, nem sabia que existiam efeitos no cabeleireiro.
A única pergunta que o barbeiro me fazia era "curto"?
E a única resposta era "sim”.
Hoje em dia, por motivos óbvios, nem isso.
Num cabeleireiro tudo é complicado de fazer e tem uma ordem certa.
Primeiro o descolamento zâmbio, depois o tingimento poney, depois o catso da escova alisadora flexível.
Se homens precisassem se esforçar como as mulheres, eu já teria sido expulso da sociedade e me tornado um ermitão.
Num cabeleireiro a mulher enfrenta uma pletora de opções.
É quase um Starbucks.
Nunca pensei que fosse tudo tão complicado.
"Luzes", por exemplo, eu achava que eram feitas com, sei lá, uma pistola laser.
"Californiana" eu achava que era só mergulhar a ponta dos cabelos numa banheira de tintura loira e segue a vida.
Que nada.
Quando me disseram que ia demorar três horas eu pensei que era porque deveriam estar sem luz.
Não me ocorre nada que eu possa fazer no meu corpo que dure três horas.
Vamos chegando perto da cabeleireira designada para nós.
Digo nós, porque não basta ser pai. Tem que mergulhar na experiência.
A moça se chama Babi e tem o cabelo rosa.
Eu não sei bem o que fazer, onde sentar, então enfio a mão nos bolsos que é o que sempre faço quando não sei o que fazer.
Tenho medo de deixar minha filha ali e ir embora.
Não por ela, por mim.
Teria que passar de novo por aquelas mulheres em estado bruto.
Sento num banquinho que constrangeria João Gilberto.
Minha filha queria pintar as pontas de alguma cor esquisita.
Apesar do cabelo rosa, Babi diz que é melhor não.
Que o cabelo vai parecer uma palha.
Agora as duas estão dialogando e gesticulando em aramaico.
Faço cara de interesse.
Então olham para mim, como se minha opinião importasse.
Não se engane.
Cabeleireiro é um lugar onde um homem vai para realizar o humilde exercício de ser ignorado.
- Isso. - respondo, para agrado de ambas.
Hiberno na cadeira.
Três horas depois está tudo pronto.
Minha filha está ainda mais linda e curiosamente, muito mais segura do que quando entrou.
Isso eu gostaria.
Um lugar onde os homens vão para saírem mais seguros.
Há anos que me torno, a cada segundo, mais inseguro que no segundo anterior.
Paro no caixa para pagar.
- O senhor quer mais um café?
Ela pergunta enquanto tento achar o número de zeros antes da vírgula.
O preço é o PIB da Bolívia.
Fico inseguro.
Mas ela está tão linda e feliz.
Não é para isso que eu vivo, afinal?"
Textos de MENTOR NETO