Paracelso
A primeira corrente médica europeia oposta à teoria dos humores desenvolveu-se no século XVI com Paracelso (1493-1541).
Theophrastus Philippus Aureolus Bombastus von Hohenheim nasceu na Suíça e era filho de um médico.
O nome ``Paracelso'' só foi adoptado por volta de 1529, significando ``acima de Celso''.
Aulo Cornelio Celso era o autor romano de uma De medicina, que tinha sido redescoberta e impressa há pouco tempo, estando no auge da sua fama (cf. secção Aulo-Cornelio-Celso).
A educação de Paracelso foi mais prática e mística do que seria usual num médico do seu tempo.
Com o pai aprendeu a medicina, a botânica, a mineralogia, a metalurgia e a filosofia natural.
O abade Johannes Trithemius, de Sponheim, ensinou-o sobre as artes mágicas e o ocultismo.
Também frequentou a escola de minas em Huttenberg e chegou a ser aprendiz nas minas de Schwaz.
Neste contexto, desenvolveu um maior interesse pelas manifestações da cultura contemporânea e local, dos camponeses e artesãos e menor veneração pela cultura clássica dos humanistas do seu tempo.
Desta forma a obra de Paracelso caracterizou-se por uma profunda religiosidade, por uma simultânea hostilidade à religião organizada e à medicina oficial, e aproximou-se da magia e da alquimia.
Embora se mantivesse formalmente como católico, Paracelso desenvolveu uma visão radical, reformista e profética da religião, onde a salvação se encontraria na descoberta das marcas da presença de Deus no mundo natural e na fé popular.
Paracelso manifestou grande distanciamento em relação à Medicina universitária do seu tempo, embora ela próprio tenha ensinado durante algum tempo numa Faculdade de Medicina e possa ter estudado noutra.
Em Basileia, onde o ensino era parte das suas funções como médico da cidade, Paracelso deu aulas em alemão e não em latim e anunciou que não ensinaria a partir dos autores clássicos, como Hipócrates ou Galeno, mas da sua própria experiência.
Para deixar bem clara a sua posição, queimou publicamente um exemplar do Canon de Avicena numa fogueira durante as festas de S. João.
A filosofia química de Paracelso, o seu pensamento médico e filosófico, é constituída por um conjunto de várias ideias mestras.
A primeira é a recusa da teoria humoral como paradigma explicativo da saúde e da doença, substituindo-a por uma filosofia natural de base química.
Paracelso não negou a existência dos quatro humores e dos quatro elementos clássicos (Fogo, Ar, Água e Terra), mas deu-lhes um papel inteiramente acessório, passivo, em relação a três outros elementos ou substâncias primárias, o Sal, o Enxôfre e o Mercúrio.
Este três são denominados os tria prima e constituiriam os princípios do corpóreo (sal), do inflamável (enxôfre) e do volátil (mercúrio).
Central no pensamento de Paracelso é a ideia da unidade entre o macrocosmo (o universo, tanto na sua parte terrestre como extra-terrestre) e o microcosmo (o corpo humano).
Os corpos vivos seriam compostos tanto de minerais como de espíritos astrais (essentia).
Ao pensarmos numa concepção química da natureza e da vida à luz do nosso pensamento de hoje, poderemos imaginar uma teoria assente nos materiais, mas o mundo é visto por Paracelso como controlado por forças espirituais, dirigidas em última análise por um grande mago, Deus.
Entre as forças esprituais imaginadas por Paracelso encontram-se sementes, as semina, enviadas directamente por Deus e os archei, princípios que controlavam vários processos vitais.
Mesmo as causas externas das doenças seriam essências espirituais, mas seriam reais e específicas para cada doença. Este era um conceito novo em relação à teoria humoral, onde as doenças seriam originadas por uma conjunção de causas não específicas.
Outra das ideias mestres de Paracelso consistia na adesão à teoria das assinaturas.
Segundo esta teoria, exposta em grande detalhe no livro Phytognomonica (1588) de Giambattista della Porta (1538-1615), a terra, enquanto palco destinado por Deus para a caminhada do homem para a sua salvação, encontrar-se-ia cheio de animais, vegetais e minerais úteis para o homem, nomeadamente para o seu tratamento, que aí teriam sido colocados pelo Criador para o seu usufruto, e que teriam sido devidamente marcados, assinados, através da sua forma, cor, textura, para que o homem reconhecesse a sua utilidade e a grandeza divina.
Assim, um fruto com a forma de um coração teria a assinatura da sua utilidade para doenças cardíacas, ou outro com a forma de um fígado para as doenças hepáticas.
J.P.Sousa Dias
Fonte: ff.ul.pt