domingo, 28 de novembro de 2010

Sono e Sonho pela Antroposofia




Durante o estado de vigília, os quatro membros da entidade humana fazem-se presentes: Podemos também dizer que o indivíduo, para constituir o seu ser, reúne, durante a sua vida, "substâncias" de quatro planos.

Essa aglomeração está longe de ser harmoniosa. Sabemos, por experiência própria, que nem o nosso corpo, nem a nossa alma, nem o nosso eu como ser moral, são perfeitos. Ao contrário, a nossa vida traz um desgaste constante dos vários membros da nossa entidade.

A própria consciência, os impulsos nocivos, as impressões feias, os alimentos impróprios, etc., prejudicam o organismo, ou seja, a parte constituída pelos corpos físico e etérico, produzindo perturbações dos sistemas digestivo, circulatório, etc., as quais podem até chegar à doença.

Mas também a parte anímico-espiritual pode sofrer efeitos nocivos: em contato com o mundo surgem desejos irracionais e impulsos negativos (ódio, inveja, cobiça) que prejudicam a própria "substancialidade" da alma e do espírito. Uma ação má deteriora o ego, uma cobiça excessiva afeta o corpo astral.

Para se regenerarem desse desgaste, os vários componentes do ser humano devem periodicamente afrouxar os laços que os unem, permitindo a cada um haurir forças renovadoras em seu próprio meio. Esse fenômeno constitui o sono. A inconsciência do sono é, pois, uma necessidade imperiosa para todo ser dotado de uma consciência desenvolvida.

Com efeito, durante o sono ocorre uma separação da parte anímico espiritual da parte físico-etérica. Aliviado da consciência, das sensações da vida anímica, o corpo descansa na cama, reduzido ao nível de uma planta, pois aparenta apenas funções vegetativas. Não se manifestam a consciência, a personalidade, os sentimentos e os pensamentos. Nesse estado inconsciente, forças e seres superiores penetram no organismo e o corpo etérico se regenera pela entrada de impulsos e forças provenientes do plano etérico universal.

O corpo astral e o eu se desligam do organismo durante o sono e voltam para as regiões das quais originalmente emanaram. Não devemos imaginar essa separação como simplesmente espacial. Durante essa sua permanência nos mundos superiores, o corpo astral e o eu recebem impulsos dos seres superiores que vivem nessas regiões. Ambos têm experiências notáveis, mas sem pensamento próprio porque o cérebro, instrumento do pensar ficou na cama e sem a possibilidade de se lembrar mais tarde dessas experiências (porque o corpo etérico, instrumento da memória, tampouco os acompanhou nessa viagem). Enquanto o homem aparentemente dorme, o seu eu está na realidade em plena atividade; mas só o clarividente pode observar esse fato.

Falei em seres superiores. Teremos ainda ensejo de ocupar-nos detalhadamente desses seres. Aqui bastará dizer que existem seres "bons" e "maus" - que a crença popular identifica como os anjos e demônios. Dos impulsos recebidos desses entes durante o sono dependerá o comportamento do indivíduo depois de despertar. Uma sabedoria antiga conhecia essas influências: os homens se deixavam inspirar durante o sono pelos deuses, pelas musas. Nos contos de fada autênticos encontramos a cada passo alusões à inspiração recebida nessas ocasiões.

Antes do adormecer e do acordar existe um estado de pouca duração, durante o qual o eu e o corpo astral estão "separados" do corpo físico, enquanto existe a ligação com o corpo etérico. O homem está, pois, em presença da sua "memória" (ligada ao corpo etérico) e pode exercer certas funções mentais (igualmente ligadas ao corpo etérico), mas faltam-lhe as percepções sensoriais claras, a plena consciência e o pensar racional que não podem prescindir do instrumento do corpo físico.

Certas experiências do eu durante esse estado, combinadas com reminiscências da memória, fazem surgir então os sonhos. O sonho constitui, pois, um estado intermediário entre o sono e a vigília. Ele é caracterizado por uma consciência reduzida, por imagens e formas do mundo exterior, porém sem lógica e clareza. O eu traduz suas vivências e recordações e em imagens simbólicas.

Desde tempos imemoriais o homem conhecia a natureza desse estado que possibilitava uma experiência velada de certas realidades espirituais. Daí a importância atribuída à arte de analisar os sonhos para conhecer a realidade espiritual ou para chegar à verdadeira personalidade do homem que se revela durante o sonho quando inexistem os tabus sociais e as barreiras que fazem com que o caráter se dissimule durante a vida normal.

Sem pretender sermos completos, podemos indicar alguns tipos relevantes de sonhos:

Em muitos sonhos, o homem é perseguido pelas reminiscências do dia. Preocupações e angústias o acompanham, problemas não resolvidos martelam seu espírito de maneira incoerente, certos impulsos (vingança, ódio, amor, cobiça) manifestam-se de modo irrefreado. Um sono repleto de sonhos dessa espécie não é regenerador, pois impede uma separação suficiente e benéfica entre o eu e a parte orgânica.

Muitos sonhos são determinados, no seu enredo, por influências do ambiente. Assim, podemos sonhar uma estória, que termina no tilintar agudo de uma flauta tocada por um dos personagens do drama onírico. Acordados, verificamos que o despertador provocou o tilintar no sono: eu recordo toda uma estória que o precede; e cujo final lógico é o tilintar. Isso prova que os sonhos não se desenrolam no tempo, mas são imagens instantâneas que somente ao recordar são mentalmente decompostas em várias fases sucessivas. Da mesma maneira, um incêndio no sonho pode ter por causa o calor excessivo provocado por um cobertor.

Há sonhos causados pelo próprio corpo. Uma refeição um pouco pesada, tomada antes de dormir, pode provocar pesadelos, e muitas vezes o próprio órgão pode aparecer sob uma forma simbólica (intestinos = serpente, dente = torre, sangue = água). Vemos mais uma vez que o sonho é simbolizador. A arte de interpretar os sonhos consiste, justamente, em descobrir a "realidade" que se traduz em símbolos.

Como já foi dito, os desejos mais íntimos do eu, reprimidos durante a vigília e sem possibilidades de subir à consciência, podem ter livre curso no sonho embora sob forma simbólica. Esse fenômeno figura nos fundamentos de muitas análises psicoterapêuticas.

Um tipo de sonho ainda mais significativo é aquele onde o indivíduo encontra pessoas vivas ou mortas, delas recebendo uma mensagem que amiúde se confirma, mais tarde, na realidade: uma pessoa ausente pode nos dizer no sonho que está doente ou morta; a notícia confirmatória chega poucos dias mais tarde. O que se torna patente, aqui, é uma experiência feita pelo eu, de uma realidade no mundo espiritual. Com efeito, a morte de qualquer pessoa é um acontecimento que se reflete naquele domínio. Transcendendo os limites do espaço, o eu vivencia esse fato e o sonho o transforma em imagem.

Finalmente, há pessoas que ao despertar sabem que no sonho lhes apareceu um ser espiritual superior com uma mensagem ou uma revelação, ou que elas "assistiram" a acontecimentos do futuro. São os chamados sonhos proféticos, que tamanho papel tiveram em tempos passados, desde os sonhos interpretados por José na Corte do Faraó (as vacas gordas e as vacas magras) até visões dos profetas (aparições de Serafins, Querubins, Anjos. etc.). Esses sonhos também têm papel importante na psicologia moderna (especialmente em C.G.Jung).

Não há adormecer ou despertar sem sonho; na maioria dos casos, porém, não o lembramos. Muitas vezes também, sem poder recordar um sonho concreto, acordamos com a certeza de ter passado um tempo num outro mundo.

Ao despertar, sonhamos muitas vezes com a volta ao corpo sob forma simbólica. Sonhamos, por exemplo, que voamos e nos aproximamos cada vez mais do chão, até bater nele. Nesse instante despertamos. Ou queremos entrar num edifício ou, por exemplo, numa torre. Não o conseguimos durante algum tempo, até que finalmente quase irrompemos nela à força e acordamos. Aqui o corpo é representado pelo símbolo da torre.

O sono, com a fase transitória do sonho, é, pois, um fenômeno que decorre de uma necessidade rítmica de todo o nosso ser. Compreende-se facilmente que sonos ou sonhos provocados artificialmente (narcóticos, hipnose, anestesia) não são, nesse sentido, "naturais", e perturbam o equilíbrio forças físicas e psico-espirituais.

Os três estados: vigília, sonho e sono correspondem a três graus diferentes de consciência.

Podemos dizer que o homem é homem somente quando, no estado de vigília, é plenamente consciente e lúcido.

A Antroposofia ensina que a consciência do animal é semelhante (embora não idêntica) à nossa consciência de sonho, enquanto a planta vive numa inconsciência total correspondendo ao nosso estado de sono. A consciência dos minerais - se é que podemos ainda falar em consciência - seria ainda mais apagada do que a do nosso sono mais profundo.

Existem também no próprio homem zonas ou sistemas diferenciados por vários graus de consciência; Rudolf Steiner teve a intuição genial da trimembração do organismo humano, cuja essência pode ser resumida da seguinte forma:

O homem é plenamente consciente em seu pensar e em suas observações sensoriais. A esse sistema, Rudolf Steiner chama de sistema neuro-sensorial, ensinando que ele está centrado na cabeça, muito embora o corpo todo possua percepções sensoriais. O pólo oposto é constituído pelas funções completamente inconscientes do metabolismo e da vontade traduzida em movimentos (o homem tem a representação clara dos motivos e do resultado almejado de um ato de vontade; mas o "funcionamento" e a realização do impulso volitivo lhe são completamente ocultos). Esse outro pólo constitui o sistema do metabolismo e dos membros. Ele atua em todo o corpo, mas seu centro está no abdome e nos membros.

Entre esses dois pólos, e com o grau de consciência intermediário entre a lucidez completa do sistema neuro-sensorial e a inconsciência do sistema metabólico-motor, acha-se o sistema circulatório (respiração, circulação), que tem por sede a parte torácica e que liga, por assim dizer, os dois extremos. A esse sistema corresponde a vida sentimental e um grau de consciência que equivale ao sonho.

Já que se falou, neste capítulo, de seres superiores, parece indicado dizer mais algumas palavras sobre esse assunto. O leitor desejoso de conhecer detalhes mais amplos deve consultar a obra de Rudolf Steiner.

Não existe religião que não fale de seres elevados possuidores de inteligência, conhecimentos e poderes superiores aos do homem. As divindades da mitologia hindu, grega e germânica são alguns desses seres; também nas religiões chamadas "monoteístas" (judaísmo, cristianismo e islamismo) existem arcanjos, anjos, demônios e diabos. Que são eles, uma vez serem nitidamente superiores aos seres humanos? O cristianismo, mantendo o dogma israelita "Deus é um", fala ao mesmo tempo de Anjos, Querubins, Serafins e outros seres respeitabilíssimos. Como explicar essa multidão de "deuses"?

Admitindo-se um caráter evolucionista do cosmo (voltaremos a esse assunto mais adiante) nada impede de imaginar, acima do homem, seres que possuam faculdades superiores, sem precisar, para sua existência, de um corpo físico. A experiência supra-sensível revela de fato, ao vidente, a existência de tais seres, e a Antroposofia contém descrições detalhadas dessas "hierarquias superiores". Com efeito, esses entes pertencem a vários níveis de evolução, cada um caracterizado por um novo grau de consciência, de faculdades e funções.

O nosso espírito humano é naturalmente incapaz de captar totalmente os estados de consciência desses seres. Apesar disso, é possível descrever-lhes certos aspectos. Mas em épocas passadas, certos indivíduos mais evoluídos tinham a capacidade de "perceber" esses seres e de ter contato com eles. A Antroposofia não pretende inovar nesse campo. O esoterismo cristão de um Dionísio Aeropagita já continha uma descrição pormenorizada dos "coros dos anjos", e o próprio São Tomás de Aquino repetiu essa doutrina com pleno endosso da sua própria sabedoria.

Rudolf Steiner soube completar os conhecimentos tradicionais a esse respeito, pela sua própria experiência. Ele mostrou a ligação íntima desses seres e da sua atuação no nosso mundo e sobre o homem. A "imanência" dessas entidades é total. Tudo o que se passa em nosso mundo resulta da ação e da influência de tais seres. Isso não impede que o homem, em determinado grau do seu desenvolvimento, consiga libertar-se de tal influência criando as condições para seu próprio livre arbítrio.

Imediatamente "acima" do ser humano encontram-se entidades que as várias religiões chamam de Anjos (em grego, Aggeloi). São entes cujo "corpo" mais baixo é o corpo etérico. Entre as suas múltiplas funções há aquela de constituírem elementos de ligação entre o homem e os mundos superiores. Cada homem tem, portanto, o seu "anjo", fato que se traduz no conceito popular de "anjo da guarda".

Os chamados Arcanjos (Archaggeloi) já não são dedicados a indivíduos, mas a povos e outros agrupamentos. Cada povo tem o "seu" arcanjo que lhe determina as características étnicas. Quando um povo se forma como tal (por exemplo, o povo suíço ou belga), o fato espiritual correspondente é que um arcanjo começa a atuar pouco a pouco sobre um certo número de indivíduos, fazendo nascer neles um espírito de comunidade e a sua diferenciação étnica e histórica dos outros povos.

Os Arqueus, ou "Espíritos de Época", são os líderes espirituais de toda uma época. Quando novos impulsos aparecem na história da humanidade, ao mesmo tempo, em todos os povos evoluídos, isso se deve à influência desses Arqueus.

Acima dos Arqueus existem os "Espíritos da Forma", ou Exusiai. São idênticos aos Elohim da Bíblia. Veremos. mais tarde. que o nosso "eu" nos foi originalmente "dado" pelos Exusiai.

Os "Espíritos do Movimento" ou Dynameis constituem a próxima hierarquia. São os regentes cósmicos de todos os ritmos e movimentos.

Os "Espíritos da Sabedoria" ou Kyriotetes permeiam de suas emanações tudo o que nos aparece como repleto de sabedoria, desde as formas harmoniosas da natureza até os grandes princípios da sabedoria cósmica que filósofos como Aristóteles ou astrônomos como Kepler ainda vislumbravam como que por intuição.

Os "Espíritos da Vontade" ou Tronos representam a vontade divina como impulso básico de todo o Universo.

Os dois grupos supremos, os Serafins (8) e os Querubins (9), fogem a qualquer análise humana. São os seres mais elevados ainda acessíveis ao ser humano e constituem a parte dos impulsos mais puros do amor, caridade e elevação da alma. O próprio Velho Testamento fala repetidamente desses seres por ocasião das visões dos grandes profetas.

Onde está "Deus" nesta hierarquia? Em que consiste a Trindade? O conhecimento humano não pode aspirar a abranger essas alturas da existência cósmica. Seria temerário fazer afirmações a esse respeito. Tentar descrever "Deus" já seria uma blasfêmia, e mesmo os maiores iniciados, como por exemplo, Rudolf Steiner, somente puderam aproximar-se dele com um balbuciar de humildade. Qualquer outra atitude seria de presunção e de prepotência. Aliás, a Antroposofia não promete revelar "tudo". Ela tem os seus limites e procura apenas alargar o nosso campo de observação. A Antroposofia é ciência, mas não onisciência. Se soubéssemos tudo, seríamos... Deus!

Mesmo assim, a obra de Steiner contém profundas revelações sobre o Mistério de Deus e da Trindade.


Texto:
R. Lanz
Noções Básicas de Antroposofia
sociedade antroposófica brasileira