“Ao ouvir algumas das obras canônicas dos compositores famosos, considero-os privilegiados por serem capazes de expressar ou criar emoções e imagens sonoras tão belas, algumas perpetuadas através dos séculos, que puderam ser transmitidas a outros através da arte da música.
A ligação da música com a matemática teve origem na antiga Grécia.
“A descoberta de Fourier, com relação aos fenômenos harmônicos, assemelha-se, em importância, à descoberta da psicanálise por Freud”, comenta Flo Menezes, chefe do Departamento de Música da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e compositor e diretor artístico do Studio PANaroma de Música Eletroacústica da Unesp.
Ao ver fisicamente uma melodia gerada por um violinista, por exemplo, alguns parâmetros são indispensáveis. Existe a intensidade do som, que se manifesta na amplitude da onda sonora e está associada ao som ser forte ou fraco, o que no cotidiano chamamos de volume do som. Já a altura do som corresponde à frequência da onda; os sons baixos possuem uma frequência menor e são mais graves. Quando os dedos de um violinista apertam as cordas, diminuem o comprimento da corda vibrante, aumentam a frequência, e tornam o som mais alto, ou seja, agudo.
O timbre é o que diferencia um instrumento do outro. Entretanto, a percepção sonora não é só resultado da forma como o som é produzido em um instrumento. Um instrumento musical não produz o mesmo som quando tocado em ambientes diferentes.
Em um ambiente fechado, como uma sala de concerto, por exemplo, existe uma série de fenômenos explicados pela teoria ondulatória que influenciam a percepção sonora do ouvinte.
“Atualmente, salas de concerto utilizam uma combinação de diferentes métodos para isolamento acústico, tais como: revestimentos nas paredes, colocação de obstáculos para a geração de interferência destrutiva em determinados pontos do ambiente, de modo que somente o som produzido pela fonte sonora chegue aos ouvidos de quem está escutando, e por aí vai”, disse Carlos Alexandre Wuensche.
Outro fator de grande importância é o coeficiente de reverberação do local. A reverberação ou difusão do som faz com que os sons produzidos a alguns décimos de segundo atrás permaneçam até o presente e ainda continuem por mais alguns décimos de segundo.
“A música requer a maquilagem temporal do som, ou seja, que sempre estejamos cantando sobre nossas vozes de alguns décimos de segundos atrás, pois isso permite executar todas as nuances e desenhos dinâmicos necessários à apreciação musical. E para os instrumentos também. Os flautistas podem respirar muito rapidamente e retomar o som enquanto a reverberação se produz, fazendo com que a melodia não seja interrompida”, comenta José Augusto Mannis, compositor e professor do Instituto de Artes da Unicamp, que faz pesquisas sobre acústica aplicada à música.
A reverberação varia em cada local. Em salas pequenas, há pouca reverberação, portanto pouca difusão do som. Esse conceito influencia os estilos de música e a clareza com que são ouvidos. Como pontua Mannis: “Se ao invés de fazer música nas salas de estar, a civilização europeia tivesse desenvolvido o hábito de fazer música em grandes cozinhas ou em porões extensos em galerias subterrâneas, nossa história da música teria sido totalmente diferente da que é agora”.
A tese de doutorado de Mannis resultou em três novos difusores de som que foram instalados na Sala Villa-Lobos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e no novo auditório do Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo. O diferencial desses difusores, com patentes depositadas por intermédio da Agência de Inovação da Unicamp (Inova), é que eles não apresentam o problema da absorção das ondas sonoras. A absorção ocorre quando uma onda atinge um obstáculo e deposita parte de sua energia sonora ali, sendo refletida, transmitida ou refratada com uma intensidade menor. A parcela de energia depositada, normalmente, é transformada em calor.
Os difusores mais conhecidos no mercado são os difusores de Schroeder, que apresentam irregularidades abruptas em sua forma. Esse tipo de difusor é eficiente para determinadas situações. Entretanto, em pequenas salas, as irregularidades provocam perda de energia e a reverberação não fica adequada. Mannis concebeu superfícies com articulações suaves e contínuas, em que não há perda de energia e sim o espalhamento das ondas sonoras. Apesar de no início as pesquisas terem sido feitas para melhorar a reverberação em ambientes pequenos, os difusores patenteados também podem ser aplicados em ambientes grandes, como o MIS.
Mannis criou a superfície dos difusores fazendo uma relação entre a sequência numérica do design dos difusores de Schroeder e a sequência dada às notas musicais da técnica de composição com 12 sons. A relação, que parece intrigante e difícil de ser detectada, para o professor e compositor foi instintiva e reforça ainda mais a noção de que a invenção científica e a criação artística estão conectadas pela sólida ponte do conhecimento. “As coisas se fundem e chego a ter a mesma sensação de plenitude quando soluciono um desafio na prancha de desenho quanto na pauta musical. É como se o processo criativo fosse um só e que apenas se alterna a natureza e o material com o qual estamos lidando. Isso sempre me pareceu ter sido uma das lições deixadas por Leonardo Da Vinci”, finaliza.
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