terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A Consciência sem Limites - Parte 1/2





Revelar a realidade sem limites é revelar to­dos os conflitos como sendo ilusórios. Essa compreensão final é chamada nirvana, moksha, desprendimento, liberta­ção, iluminação, satori - livre dos pares, livre da visão fasci­nante da separação, livre das cadeias de limites ilusórios da pessoa. E com essa compreensão, estaremos prontos para vivenciar essa consciência sem limites, a chamada "consciência da unidade".

Ken Wilber


A consciência da unidade é a simples consciência do ver­dadeiro território sem limites. Para explicá-la, não precisa­mos de truques, de fetiches, de jargão místico ou de miasmas de ocultismo. Se a realidade é de fato uma condição sem li­mites - e para negar isso temos de dar as costas à Teoria da Relatividade, às ciências ecológicas, à filosofia do organis­mo e à sabedoria do Oriente - se a realidade é uma condi­ção sem limites, então a consciência da unidade é o estado na­tural da consciência que reconhece essa realidade. Em resu­mo, a consciência da unidade é a consciência sem limites.


Por mais simples que possa parecer, no entanto, é ex­tremamente difícil discutir adequadamente a consciência sem limites ou a consciência da unidade.

Isso ocorre porque nossa linguagem - o meio no qual toda discussão verbal deve flu­tuar - é uma linguagem de limites. As pala­vras, os símbolos e os próprios pensamentos são na realidade apenas limites, pois toda vez que pensamos ou usamos uma palavra ou nome, já estamos criando limites.

Mesmo quando dizemos "a realidade é consciência sem limites", ainda criamos uma distinção entre limite e não-limite!

Portanto, devemos ter em mente a grande dificuldade acarretada pela linguagem dualística. Sim, "a realidade é sem limites", contanto que nos lembremos que a consciência sem limites é uma cons­ciência direta, imediata e não-verbal e, de modo algum, uma mera teoria filosófica.

É por essas razões que os sábios mís­ticos enfatizam que a realidade encontra-se além de nomes e for­mas, palavras e pensamentos, divisões e limites. Além de todos os limites está o verdadeiro mundo da Quididade, o Vazio, o Dharmakaya, o Tao, o Brahman, a Divindade. E no mundo da quididade não há nem bom nem mau, nem santo nem pecador, nem nascimento nem morte, pois nesse mundo não há limites.


Principalmente, não há limites entre sujeito e objeto, eu e não-eu, observador e observado. Eu enfatizo esse pon­to, e me alongarei nele por todo este artigo, porque de todos os limites que o homem constrói, o limite entre o eu e o não-eu é o mais fundamental. É o limite que mais relutamos em abandonar. Afinal, foi o primeiro limite que traçamos. E o nosso limite mais estimado. Investimos anos para forta­lecê-Io e defendê-Io, para torná-Io seguro. É o próprio limite que estabelece nossa noção de sermos um ente separado. E, à medida que envelhecemos, cheios de anos e memórias, e começamos a entrar no nada final da morte, esse é o últi­mo limite que abandonamos. O limite entre o eu e o não-eu é o primeiro que traçamos e o último que apagamos. De to­dos os limites que construímos, esse é o limite primário.


Tão fundamental é o limite primário entre o eu e o não-eu que todos os nossos outros limites dele dependem. Não so­mos capazes de distinguir limites entre coisas até que tenha­mos nos distinguido das coisas. Todo limite que nós criamos depende de nossa existência separada, isto é, de nosso limi­te primário entre eu e não-eu.


Certamente, todos e quaisquer limites são obstáculos à consciência da unidade; mas já que todos os nossos outros li­mites dependem deste limite primário, ver através dele é ver através de todos. Num certo sentido, isso é extremamente oportuno, pois, se tivéssemos de lidar com todos os nossos limites em separado, um por um, levaríamos toda uma vida, talvez várias, para dissolvê-los e obter a "libertação dos pa­res". Contudo, ao focalizar o limite primário, nossa tarefa toma-se enormemente simplificada. É como se nossos di­versos limites constituíssem uma pirâmide invertida de blo­cos, todos eles repousando no bloco da extremidade. Se re­tirarmos esse bloco, o edifício todo desmorona.


Podemos analisar esse limite primário sob muitos ân­gulos e sob muitos nomes. Ele é a separação irredutível en­tre aquilo que chamo eu e aquilo que chamo não-eu, eu aqui e os objetos lá. É a ruptura entre o sujeito cognoscente e o objeto conhecido. É aquele espaço entre meu organismo e o meio ambiente. É a brecha entre o "eu" que agora lê e a página lida. No todo, é a brecha entre a pessoa que vivencia e o mundo vivenciado. Portanto, parece que, no lado de "den­tro" do limite primário, existe o "eu", o sujeito, o que pensa, sente e vê, e do outro lado, há o não-eu, o mundo dos obje­tos lá fora, o meio ambiente, estranho e separado de mim.


Na consciência da unidade, na percepção sem limites, a noção do eu expande-se de modo a incluir sem omissões tu­do o que antes foi considerado como não-eu. A noção que a pessoa tem de identidade transfere-se para o universo in­teiro, para todos os mundos, superiores ou inferiores, ma­nifestos ou não-manifestos, sagrados ou profanos. E, é óbvio, isso não pode ocorrer enquanto o limite primário que separa o eu do universo é erroneamente interpretado como sendo verdadeiro. Mas, uma vez compreendida a ilusão que o limite primário representa, a noção de eu que a pessoa tem passa a envolver o Todo - então não há mais nada fora da pessoa, nem lugar algum onde traçar qualquer tipo de limite. Assim, se em certa medida conseguimos começar a ver através do limite primário, a noção da consciência da unidade não estará muito longe de nós.


A partir do que foi dito, é bastante fácil chegar à con­clusão errônea de que tudo o que devemos fazer para entrar na consciência da unidade é destruir o limite primário. Falan­do grosseiramente, isso é verdadeiro, mas a situação real é muitíssimo mais simples. De fato, não precisamos ter o tra­balho de tentar destruir o limite primário, por uma razão extremamente elementar: o limite primário não existe.


Como todos os limites, ele é apenas uma ilusão. Ape­nas parece existir. Fingimos que existe, supomos que exis­te, comportamo-nos como se ele existisse. Mas não é o caso. E se formos em busca do limite primário, não descobriremos dele qualquer vestígio, pois os fantasmas não têm sombra.


Neste exato momento, e quero dizer bem agora, enquanto você está lendo isto, não existe um limite primário verda­deiro, e portanto, neste exato momento, não há uma bar­reira à consciência da unidade.


Logo, não sairemos à procura do limite primário para depois tentar destruí-lo. Na verdade, isso seria um grave erro, ou, pelo menos, uma colossal perda de tempo, pois não se pode destruir o que não existe. Tentar destruir o limite pri­mário é como estar no meio de uma miragem agitando os braços furiosamente numa tentativa de fazê-la desaparecer ­apesar da intensa agitação que tal atividade pode criar, ela não deixa de ser algo totalmente fútil. Não se pode erradi­car uma ilusão. Podemos apenas compreendê-la e ver atra­vés da própria ilusão. Sob este ponto de vista, mesmo a ten­tativa de destruir o limite primário através de atividades ela­boradas tais como a ioga, a concentração mental, as preces, o ritual, os cânticos, o jejum - tudo isso simplesmente su­põe a realidade do limite primário, e, portanto reforça e per­petua a própria ilusão que pretende destruir. Como disse Fe­nelon, Arcebispo de Cambrai: "Não há ilusão mais perigosa do que as fantasias através das quais as pessoas tentam evi­tar as ilusões."


Em vez de supor que o limite primário é real e depois tomar providências para tentar eliminá-lo, primeiro iremos em busca do limite primário propriamente dito. E, se de fato é uma ilusão, nunca acharemos um vestígio dele. Poderemos então compreender espontaneamente que aquilo que pen­sávamos estar obstruindo nossa consciência da unidade nunca existiu. E, esse insight já é um vislumbre da percepção sem limites.


Agora, o que realmente significa procurar o limite pri­mário?

Procurar o limite primário é procurar muito cuida­dosamente a sensação de ser um eu separado, um ente que vivencia e sente, permanecendo distinto das experiências e sentimentos. Estou sugerindo aqui que, se procurarmos cuida­dosamente esse "eu", não o encontraremos. E, já que esse sentimento de ser um eu isolado parece ser o maior obstá­culo à consciência da unidade, procurá-lo e não o encontrar é, ao mesmo tempo, vislumbrar a própria consciência da unidade.

Vejamos o que diz o grande sábio budista Padma Sambhava: "Se o próprio ser que procura, ao procurar-se, não puder ser encontrado, o objetivo e também o próprio fim da busca terão sido atingidos."


No início de tal experiência, devemos ser bem claros com relação ao que realmente significa essa "ausência do eu" ou "ausência do limite primário". Não significa uma per­da de todas as sensibilidades; não é um estado de transe, caos, tumulto, ou comportamento descontrolado. Não se trata de uma explosão de minha mente e corpo, que a seguir fundem-se em Uma Grande Massa Informe de algum tipo em algum lu­gar. Não tem nada em comum com a regressão esquizofrê­nica, que não transcende de modo algum o limite do eu/não-eu, mas, ao contrário, embaralha-o e confunde-o.


Quando falamos de "perda do eu" queremos dizer isto: a sensação de ser um ente separado é uma sensação que foi mal-compreendida e mal-interpretada, e é a dispersão dessa interpretação errônea que nos interessa. Todos temos aque­la sensação, aquele sentimento radical de ser um ente iso­lado separado de nosso fluxo de experiência e separado do mundo à nossa volta. Todos nós temos de um lado o sen­timento do "eu" e de outro o sentimento do mundo exter­no. No entanto, se observarmos cuidadosamente a sensação de "eu aqui dentro" e a sensação de "mundo lá fora", ve­rificaremos que essas duas sensações são de fato uma e a mes­ma. Em outras palavras, aquilo que agora sinto ser o mun­do objetivo lá fora é a mesma coisa que sinto ser o eu subje­tivo aqui dentro. A separação entre a pessoa que vivencia e o mundo das vivências não existe, e, portanto não pode ser encontrada.


De início, isso pode soar muito estranho, porque esta­mos acostumados a acreditar em limites. Parece óbvio que eu seja aquele que ouve os sons, aquele que tem sentimen­tos, aquele que vê cenas.

Mas, por outro lado, não é estra­nho que eu me descreva como o observador que observa as coisas observadas?

Ou o ouvinte que ouve os sons ouvidos?

Será a percepção assim tão complicada?

Será que realmen­te envolve três entidades - um observador, a observação e o que é observado?


Com certeza, não existem aqui três entidades separa­das.

Será possível a existência de um observador sem o ato de observar ou sem algo a ser observado?

Será possível exis­tir o ato de observar sem um observador ou sem algo a ser observado?

O fato é que o observador, a observação e o que é observado são todos aspectos de um só processo - nunca, em tempo algum, um deles é encontrado sem os outros.


Nosso problema é que temos três palavras - "obser­vador", "observar" e "observado" - para designar uma úni­ca atividade, a experiência de ver. Poderíamos também des­crever um único curso de água como "a corrente corre a cor­renteza". Isso é completamente redundante e introduz três fatores onde na verdade só existe um. No entanto, hipnoti­zados como estamos pela magia verbal de Adão, supomos a existência de uma entidade separada, o "observador" que, através de algum tipo de processo chamado "observar", adqui­re conhecimento de uma outra coisa ainda chamada o "obser­vado". Então supomos naturalmente que somos apenas o observador, totalmente divorciados do observado. Nosso mun­do, que nos foi dado apenas uma vez, é assim separado bem ao meio, com o "observador aqui dentro" confrontando, do outro lado de um abismo profundo, as coisas "observadas lá fora".


Mas vamos voltar ao comecinho do próprio processo de vivência e verificar se o que vivencia é de fato completa­mente distinto do vivenciado.

Comecemos com o sentido da audição. Feche os olhos e preste atenção ao verdadeiro processo de ouvir. Note todos os sons diferentes flutuando por aí - pássaros cantando, carros roncando, grilos cricrilan­do, crianças rindo, a televisão gritando. Mas, com todos esses sons, note que há uma coisa que você não pode ouvir, não importa quão atentamente escute cada som. Você não pode ouvir o ouvinte. Isto é, para além de todos esses sons, você não consegue ouvir um ouvinte daqueles sons.


Não conseguimos ouvir o ouvinte porque ele não existe. O que nos ensinaram a chamar de "ouvinte" é, na verdade, apenas a própria experiência de ouvir, e não somos capazes de ouvir o ouvir. Na realidade, há apenas um fluxo de sons, e esse fluxo não se divide em sujeito e objeto. Não há limi­tes aqui.


Se deixarmos a sensação de ser um "ouvinte" que ha­bita dentro do crânio dissolver-se no próprio ato de ouvir, poderemos descobrir o nosso "eu" fundindo-se com a tota­lidade do mundo dos "sons de fora". Como explicou um mestre zen, referindo-se ao momento de sua iluminação, "quando ouvi o sino do templo tocando, de repente não ha­via mais sino nem eu, apenas o som".

Foi através de uma experiência assim, diz-se, que Avalokitesvara recebeu tam­bém sua iluminação; ao tornar consciente o processo de ou­vir, ele percebeu que não havia um eu separado, nem um ouvin­te, distinto do próprio fluxo de audição. Quando tentamos ouvir o ouvinte subjetivo, tudo o que encontramos são sons objetivos. E isso significa que não ouvimos sons, nós somos esses sons. O ouvinte é todo som ouvido, e não uma enti­dade separada que recua e ouve o ouvir.


O mesmo é verdadeiro com respeito ao processo da vi­são. Quando olhamos cuidadosamente o campo visual, ele parece quase suspenso no espaço, suspenso no nada. Con­tudo, consiste em um padrão infinitamente rico de luzes en­trelaçadas, cores e nuanças, formando tudo isso uma monta­nha aqui, uma nuvem ali, um riacho acolá. Mas, entre todas as cenas visíveis, há ainda uma coisa que não podemos ver, não importa o quanto forçamos a vista. Não podemos ver o observador desse campo visual.


Quanto mais tentamos ver o observador, mais nos intri­ga a sua ausência. Durante anos, supusemos com toda a na­turalidade que nós éramos o observador que via as cenas. Mas no momento que passamos a buscar o observador, não encontramos vestígio dele. De fato, insistindo em tentar ver o observador, tudo o que encontramos são coisas vis­tas. Isso apenas quer dizer que eu, o "observador", não vejo cenas - antes, eu, o "observador", sou idêntico a todas aque­las cenas agora presentes. O assim chamado observador é na­da mais que tudo o que é visto. Ao olharmos uma árvore, não há uma experiência chamada "árvore" e outra experiên­cia chamada "vendo a árvore". Há apenas a experiência única de ver-a-árvore. Não vemos esse ver, assim como não senti­mos o olfato ou não degustamos o paladar.


Parece que, onde quer que procuremos um eu separado da experiência, ele desaparece dentro dela. Quando procura­mos o experimentador, descobrimos apenas outra experiên­cia - o sujeito e o objeto sempre demonstram ser uma só coisa. Essa é uma realidade bastante perturbadora e, por isso, você pode estar se sentindo muito confuso, sentado aí pen­sando nisso tudo. Mas levemos a coisa adiante só mais um pouco.

Enquanto você está aí pensando sobre isso, pode tam­bém encontrar o pensador que realiza essa atividade?


Em outras palavras, existirá um pensador que pensa o pensamento "estou confuso", ou existirá apenas o pensa­mento "estou confuso"?

Há, com certeza, apenas o pen­samento; se houvesse também um pensador, será que você pensaria sobre o pensador que está pensando o pensamento?

Parece óbvio que aquilo que erroneamente acreditamos ser um pensador é na verdade nada mais que o presente fluxo de pensamentos.


Logo, quando o pensamento foi "estou confuso", você não estava ao mesmo tempo consciente do pensador que es­tava pensando "estou confuso". Havia apenas o pensamento presente - "estou confuso". Quando, então, você procurou o pensador desse pensamento, tudo o que encontrou foi ou­tro pensamento, isto é, "estou pensando que estou confuso". Nunca encontrou um pensador separado do pensamento, o que quer dizer apenas que os dois são idênticos.


É precisamente por isso que os sábios aconselham-nos a não tentar destruir o "eu", mas apenas a procurá-lo, por­que toda vez que o procuramos tudo o que encontramos é a sua prévia ausência. Mas, mesmo já tendo começado a com­preender que não existe um ouvinte, nem um degustador, nem um observador, nem um pensador isolado, ainda é pro­vável que encontremos dentro de nós um sentimento nuclear, irredutível, de que somos entes separados e isolados. Ainda há aquela sensação de ser separado do mundo lá fora. Há ainda aquele sentimento íntimo que de algum modo conheço como sendo meu "eu" interior. Mesmo se não posso ver, de­gustar ou ouvir a mim mesmo, definitivamente posso sentir a mim mesmo.


Bem, será que você pode encontrar, além do sentimen­to que agora chama de seu "eu", um sentidor que está fazen­do o sentimento? Se parece que você consegue isso, será que você pode sentir o sentidor que está fazendo o sentimento? Novamente, essa sensação nuclear de ser um sentidor que tem sentimentos é ela própria apenas um outro sentimento. O "sentidor" não passa de um sentimento, assim como o pensador é apenas um pensamento e o degustador é apenas o gosto. Também nesse caso, não há um sentidor separado e diferente dos sentimentos - e nunca houve.


Assim, a conclusão inevitável começa a nos ocorrer: não existe um eu separado do mundo.

Sempre supusemos haver um vivenciador separado, mas no momento em que realmen­te partimos à sua procura, ele desapareceu dentro da expe­riência.

Como afirma Alan Watts, "Há apenas a experiência. Não existe algo ou alguém experimentando a experiência! Não sentimos sentimentos, nem pensamos pensamentos, ou sentimos sensações, assim como não ouvimos a audição, nem vemos a visão, nem cheiramos o olfato. 'Estou ótimo' quer dizer que um sentimento ótimo está presente. Não significa a existência de uma coisa chamada 'eu' e de outra coisa se­parada chamada 'sentimento', de modo que, quando colo­cadas juntas, esse 'eu' sinta os sentimentos ótimos. Não exis­tem sentimentos que não os sentimentos presentes, e qual­quer sentimento presente é um 'eu'. Ninguém jamais encon­trou um 'eu' separado de uma experiência, ou uma experiência separada de um 'eu' - o que quer apenas dizer que os dois são a mesma coisa".


Agora, quando você começa a compreender que não existe uma brecha entre "você" e suas experiências, será que não começa a se tornar óbvio o fato de não haver brecha en­tre "você" e o mundo que é vivenciado?

Você não tem a sen­sação de um pássaro, mas é a sensação de um pássaro. Você não tem a experiência de uma mesa, você é a experiência da mesa. Você não ouve o som do trovão, você é o som do trovão. A sensação interior chamada "você" e a sensação exterior chamada "o mundo" são uma mesma sensação. O sujeito interior e o objeto exterior são dois nomes para um único sentimento, e isso não é algo que você deve sentir, é a única coisa que você pode sentir.


Isso significa que seu estado de consciência neste mo­mento, quer você se dê conta quer não, é consciência da uni­dade.

Neste momento, você já é o cosmo, você já é a tota­lidade de sua experiência atual. Seu estado atual é sempre o de consciência da unidade, porque o eu separado, que parece ser o grande obstáculo a essa consciência, é sempre uma ilu­são. Não precisamos tentar destruir o eu separado, já que, para início de conversa, ele não existe. Tudo o que precisa­mos fazer é procurá-Io, e não seremos capazes de encontrá-lo. O próprio fato de não o encontrar é um reconhecimento da consciência da unidade. Em outras palavras, toda vez que pro­curamos nosso "eu" e não o encontramos, momentaneamen­te caímos em nosso estado anterior e real de consciência da unidade.


Por mais estranho que tudo isso possa parecer à pri­meira vista, a percepção interior de que não existe um eu separado sempre foi óbvia para os místicos e sábios de todas as épocas, e constitui um dos pontos centrais da filosofia perene. Embora existam inúmeras citações que poderiam ilustrar essa percepção, o decantado resumo dos ensinamen­tos de Buda exprime tudo:


Só o sofrimento existe, ninguém que sofra;
O feito existe, mas não quem o faça;
O Nirvana existe, mas ninguém que o procure;
O Caminho existe, mas ninguém que o percorra.


Por Adalberto Tripicchio

Fonte:
rede psi