segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A Natureza do Homem (Antroposofia) / Parte 1/2




As seguintes palavras de Goethe caracterizam admiravelmente o ponto de partida de um dos caminhos pelos quais se pode vir a conhecer a natureza do homem:

Tão logo o homem se apercebe dos objetos em seu derredor, considera-os com relação a si mesmo; e com razão, pois todo o seu destino depende da alternativa de que eles lhe agradem ou desagradem, atraiam-no ou o aborreçam, sejam-lhe úteis ou prejudiciais.

Este modo naturalíssimo de ver e julgar as coisas parece tão fácil quanto necessário e, no entanto, nisso o homem está exposto a mil enganos, que por vezes o envergonham e lhe amarguram a vida.

Tarefa muito mais árdua empreendem aqueles cujo vivo impulso para o conhecimento dos seres da natureza leva a apreciá-los em si mesmos e em suas relações recíprocas; pois logo dão por falta da norma que lhes vinha em auxílio quando, como homens, apreciavam as coisas com relacão a si mesmos.

Falta-lhes a norma do agrado e desagrado, da atração e repulsa, do proveito e dano.

Eles têm de renunciar totalmente a essa norma e como seres equivalentes e por assim dizer divinos, buscar e investigar o que é, e não o que agrada.

Assim, ao genuíno botânico não deve tocar nem a beleza nem a utilidade das plantas, mas sua formação, sua correlação com o restante mundo vegetal; e, da mesma forma como elas são atraidas e iluminadas pelo sol, ele deve contemplá-las e abrangê-las todas com um olhar sereno e imparcial, extraindo a norma para esse conhecimento, os dados para julgamento não de si mesmo, mas do âmbito das coisas que observa.

Esse pensamento expresso por Goethe chama a atenção dos homens para três coisas.

A primeira são os objetos cujas impressões lhe afluem continuamente pelos portais dos sentidos, objetos que ele apalpa, cheira, degusta, ouve e vê.

A segunda são as impressões que esses objetos causam nele, e que sob forma de agrado ou desagrado, cobiça ou nojo, caracterizam-se pelo fato de ele achar um simpático e outro antipático, um útil e outro nocivo.

E a terceira são os conhecimentos que ele alcança sobre os objetos “como se fossem um ente divino”; são os mistérios da atuação e da existência desses objetos que se lhe desvelam.

Esses três domínios distinguem-se nitidamente na vida humana; e assim o homem se apercebe de estar entretecido ao mundo de tríplice maneira.

A primeira maneira é algo com que ele se depara, aceitando-o como fato dado; pela segunda maneira ele faz do mundo seu assunto próprio, algo que tem importância para ele; a terceira maneira ele considera como uma meta à qual deve aspirar incessantemente.

Por que o mundo se apresenta ao homem dessa forma tríplice?

Urna simples consideração pode explicar isso:

Venho por um prado coberto de flores; as flores anunciam-me as cores por meio de meus olhos.

Esse é um fato que eu tomo como dado.

Alegro-me com a magnificência das cores; com isso transformo o fato em meu assunto próprio.

Por meio de meus sentimentos, ligo as flores ao meu próprio existir.

Passado um ano, percorro novamente o mesmo prado.

Outras flores estão ali novas alegrias me são proporcionadas.

Minha alegria do ano anterior apresenta-se como lembrança.

Ela está em mim; o objeto que a despertou esvaiu-se.

Mas as flores que eu hoje contemplo são da mesma espécie que as do ano passado; cresceram segundo as mesmas leis que aquelas.

Se eu tiver formado urna noção dessa espécie e dessas leis, irei reencontrá-las nas flores deste ano, tal qual as conheci nas do ano passado.

E talvez reflita: as flores do ano passado esvaíram-se; a alegria que me proporcionaram ficou apenas em minha lembrança, achando-se ligada apenas à minha existência.

Porém o que no ano passado eu reconheci nas flores, e torno a reconhecer este ano, permanecerá enquanto tais flores crescerem.

Isso é algo que se revelou a mim, porém não depende de minha existência da mesma forma como minha alegria.

Meus sentimentos de alegria situam-se dentro de mim; as leis e a essência das flores situam-se fora de mim, no mundo.

Assim, o homem se associa continuamente às coisas do mundo dessa tríplice maneira.

Do ensaio Der Versuch als Vermittler von Object and Suhject (1793). 

Não juntemos a esse fato interpretação alguma, mas aceitemo-lo tal qual se apresenta.

Dele decorre que o homem tem três faces em sua natureza.

E isso, e nenhuma outra coisa, que por ora indicaremos com as três palavras:

corpo,

alma e

espírito.

Quem associar essas três palavras a quaisquer opiniões preconcebidas, ou mesmo hipóteses, fatalmente entenderá mal o que será exposto em seguida.

Por corpo entende-se elemento pelo qual as coisas em redor do homem se apresentam a ele — como, no exemplo acima, as flores do prado.

Por alma deve-se entender o elemento pelo qual o homem associa as coisas ao seu próprio existir, sentindo nelas agrado e desagrado, prazer e desprazer, alegria e dor.

Por espírito entende-se o que se revela nele quando, segundo a expressão de Goethe, ele contempla as coisas “como se fosse um ente divino”.

E nesse sentido que o homem consiste em corpo, alma e espírito.

Por meio de seu corpo o homem pode colocar-se momentaneamente em relação com as coisas; por meio de sua alma ele guarda em si as impressões que as coisas produzem nele; e por meio de seu espírito lhe é apresentado o que as coisas conservam em si.

Só considerando o homem segundo essas três faces é que se pode ter a esperança de alcançar uma elucidação de sua natureza — pois essas três faces mostram-no relacionado de modo triplamente diverso com o resto do mundo.

Por meio de seu corpo o homem tem afinidade com as coisas que, de fora, se apresentam aos seus sentidos.

São as substâncias do mundo exterior que compõem esse seu corpo; as forças do mundo exterior também atuam nele.

E tal qual observa as coisas do mundo exterior com seus sentidos, assim também ele pode observar sua própria existência corpórea.

Porém é impossível observar do mesmo modo a existência anímica.

Tudo o que em mim constitui processos corpóreos pode ser também percebido com sentidos corpóreos; porém meu agrado e desagrado, minha alegria e minha dor não podem ser percebidos, nem por mim nem por mais ninguém, com sentidos corpóreos.

O anímico é um domínio inacessível à observação corpórea.

A existência corpórea do homem acha-se manifesta aos olhos de todos; a anímica, ele a traz em si como sendo seu mundo.

Por meio do espírito, no entanto, o mundo exterior lhe é revelado de uma forma superior.

E em seu íntimo, sem dúvida, que se lhe desvendam os segredos do mundo exterior; porém no espírito ele sai de si e deixa as coisas falar sobre si mesmas, sobre o que tem significado não para ele, mas para elas.

O homem levanta o olhar para o céu estrelado: o encanto que sua alma vive pertence a ele; as leis eternas dos astros, que ele discerne no pensamento, no espírito, pertencem não a ele, mas aos próprios astros.

O homem é, assim, cidadão de três mundos.

Por meio de seu corpo, pertence ao mundo que ele percebe com esse mesmo corpo; por meio de sua alma, edifica para si seu próprio mundo; por meio de seu espírito se lhe manifesta um mundo elevado acima dos outros dois.

Ante a diferença essencial entre esses três mundos, parece evidente que só se poderá obter clareza a seu respeito, bem como a respeito da participação do homem neles, mediante três dife- rentes tipos de observação.

I. A natureza corpórea do homem

É por meio dos sentidos corpóreos que se vem a conhecer o corpo do homem; e o modo de observar não pode ser, nesse caso, senão aquele pelo qual se conhecem outras coisas perceptíveis aos sentidos.

Tal como se observam os minerais, as plantas e os animais, pode-se também observar o homem.

Ele tem afinidade com essas três formas de existência.

À semelhança dos minerais, ele edifica seu corpo com as substâncias da natureza; à semelhança das plantas, ele cresce e se reproduz; à semelhança dos animais, apercebe-se das coisas em seu redor e estrutura vivências interiores com base em suas impressões.

Pode-se, portanto, atribuir ao homem uma existência mineral, uma vegetal e uma animal.

A diversidade na estrutura dos minerais, plantas e animais corresponde às três formas de sua existência.

E essa estrutura — a forma — é o que se percebe com os sentidos, sendo unicamente o que se pode chamar de corpo.

Entretanto, o corpo humano é diverso do corpo animal.

Essa diversidade deve ser reconhecida por todos, sejam quais forem as concepções quanto ao parentesco do homem com os animais.

Nem o materialista mais radical, que nega tudo o que seja anímico, poderá deixar de subscrever a seguinte declaração de Caruso, em sua ‘Organografia do conhecimento da natureza e do espírito’: Carl Gustav Carus (1789—1869). (N.T.)  Organon der Erkenntnis der Natur and des Geistes (Leipzig, 1856), cap. ‘Von dem Erkennen’, p. 89 s. (N.E. orig.)

A estrutura mais íntima e sutil do sistema nervoso, e especialmente do cérebro, permanece um enigma insolúvel para o fisiólogo e anatomista; porém é um fato perfeitamente estabelecido que aquela concentração de formas vai-se elevando cada vez mais no reino animal, alcançando no homem um grau mais alto do que em qualquer outro ser; para o desenvolvimento espiritual do homem esse fato é da maior significação — aliás, podemos justamente declarar que já constitui uma explicação suficiente.

Nos casos em que a estrutura do cérebro não se haja desenvolvido devidamente, denunciando uma certa pequenez e imperfeição, como nos microcéfalos e nos idiotas, é natural que nem se possa falar de elaboração de idéias e conhecimentos próprios, como tampouco de reprodução da espécie em pessoas cujos órgãos geradores tenham ficado atrofiados.

Por outro lado, se é bem verdade que uma construção vigorosa e harmoniosa da pessoa em seu todo, e do cérebro em particular, não substituirá por si só o gênio, em todo o caso constitui a primeira condição indispensável para o conhecimento superior.

Tal como se atribuem ao corpo humano as três formas da existência — a mineral, a vegetal e a animal —, deve-se atribuir-lhe ainda uma quarta, a especifica mente humana.

Mediante sua forma mineral de existência, o homem tem afinidade com tudo o que é visível; mediante sua forma vegetal, com todos os seres que crescem e se reproduzem; mediante sua forma animal, com todos os que percebem seu mundo circundante e, com base em impressões exteriores, têm experiências interiores; mediante sua forma humana ele constitui, já no sentido corpóreo, um reino em si.

II. A natureza anímica do homem

A natureza anímica do homem distingue-se de sua corporalidade como um mundo interior próprio.

Esse âmbito próprio se apresenta tão logo dirigimos a atenção à mais simples impressão sensorial.

Ninguém pode saber a priori se outra pessoa experimenta essa mera sensação exatamente do mesmo modo como ela própria.

É sabido que existem pessoas cegas em relação a cores; elas só vêem as coisas em diversos matizes de cinza.

Outras são parcialmente daltônicas, e por isso não conseguem perceber determinadas nuances de cores — a imagem do mundo proporcionada por seus olhos é completamente diversa daquela das pessoas ditas normais.

E algo similar é mais ou menos válido para os outros sentidos.

Já de partida fica evidente que a mais simples impressão sensorial pertence ao mundo interior.

Com meus sentidos físicos posso perceber a mesa vermelha que outra pessoa também percebe; mas não posso perceber a sensação que a outra pessoa tem do vermelho.

Deve-se, portanto, designar a impressão sensorial como algo anímico.

Quem se esclarece inteiramente sobre esse fato deixa logo de considerar as experiências interiores como meros processos cerebrais ou algo semelhante.

À impressão sensorial junta-se de início o sentimento.

Uma sensação dá ao homem prazer, outra desprazer.

Trata-se de emoções de sua vida interior, anímica.

Em seus sentimentos o homem acrescenta um segundo mundo àquele que o influencia de fora; e a isso vem agregar-se ainda um terceiro: a vontade, mediante a qual o homem reage ao mundo exterior, imprimindo assim a esse mundo exterior seu ser interior.

Em seus atos volitivos, a alma do homem como que jorra para o exterior.

Os atos do homem diferem dos fenômenos da natureza externa por serem portadores de sua vida interior.

Assim sendo, é a alma que se contrapõe ao mundo exterior como o elemento próprio do homem.

Este recebe os estímulos do mundo exterior; porém constrói, de acordo com esses estímulos, um mundo próprio.

A corporalidade torna-se o alicerce do anímico.

III. A natureza espiritual do homem

O elemento anímico do homem não é determinado somente pelo corpo.

O homem não vagueia sem direção e sem objetivo de uma impressão sensorial a outra; nem tampouco age sob a impressão de um estímulo qualquer exercido sobre ele, seja por algo exterior ou pelos processos de seu corpo.

Ele reflete sobre suas percepções e sobre suas ações.

Refletindo sobre as percepções, adquire conhecimentos sobre as coisas; refletindo sobre suas ações, introduz em sua vida uma coerência racional.

E sabe que sua missão como ser humano só é cumprida dignamente quando, tanto no processo cognitivo quanto no agir, ele se deixa conduzir por pensamentos corretos.

O elemento anímico se defronta, pois, com uma dupla necessidade.

Por necessidade natural, ele é determinado pelas leis do corpo; pelas leis que conduzem ao correto pensar, ele se deixa determinar por reconhecer livremente a necessidade das mesmas.

E por obra da natureza que o homem se acha sujeito às leis do metabolismo; já às leis do pensamento ele se submete espontaneamente.

Com isso o homem se torna participante de uma ordem superior à que pertence por seu corpo; e essa ordem é a espiritual. 

Tão diverso quanto o corpóreo é do anímico, tão diverso é este, por sua vez, do espiritual.

Enquanto se fala simplesmente das partículas de carbono, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio que se movimentam no corpo, não se tem em vista a alma.

A vida anímica só começa quando, em meio a esse movimento, surge a sensação: eu sinto o sabor doce ou sinto prazer.

Tampouco se tem em vista o espírito quando se assiste apenas às experiências anímicas que perpassam o homem quando este se entrega completamente ao mundo exterior e à vida de seu corpo.

Esse elemento anímico constitui, muito mais, somente a base para o espiritual, do mesmo modo como o corpóreo constitui a base para o anímico.

O pesquisador da natureza lida com o corpo, o pesquisador do anímico (psicólogo) com a alma e o pesquisador do espiritual com o espírito.

Obter clareza sobre a diferença entre corpo, alma e espírito refletindo a respeito de si mesmo é uma exigência a quem queira esclarecer-se, de modo pensante, sobre a essência do homem.

IV.Corpo, alma e espírito

O homem só pode esclarecer-se corretamente acerca de si mesmo quando se dá conta da importância do pensar na natureza humana.

O cérebro é o instrumento corpóreo do pensar.

Da mesma forma como o homem só pode ver cores com olhos normalmente desenvolvidos, um cérebro adequadamente formado serve-lhe para pensar.

Todo o corpo humano está disposto de modo a encontrar seu coroamento nesse órgão do espírito que é o cérebro.

Só se pode compreender a estrutura do cérebro humano observando-o com vistas à sua tarefa, que consiste em ser a base corpórea do espírito pensante.

Um olhar comparativo sobre o mundo animal demonstra isso.

Entre os anfíbios, o cérebro é ainda pequeno diante da medula espinhal; entre os mamíferos se torna relativamente maior, e no homem alcança suas máximas dimensões frente ao resto do corpo.

Contra tais observações sobre o pensar, aqui apresentadas, reina muito preconceito.

Muitas pessoas tendem a subestimar o pensar e enaltecer, acima desta faculdade, a “vida íntima dos sentimentos”, a “sensibilidade”.

Chegam a dizer que não é pelo “árido pensar”, mas pelo calor do sentimento, pela força imediata das emoções que o homem se eleva aos conhecimentos superiores.

As pessoas que assim se manifestam temem embotar os sentimentos ao pensar de modo claro.

No caso do pensamento cotidiano, que se refere tão-somente às coisas de utilidade prática, certamente é isso o que ocorre; mas no caso dos pensamentos que conduzem a regiões superiores da existência, sucede o contrário.

Não há sentimento ou entusiasmo que possa comparar-se em ardor, beleza e elevação àqueles despertados pelos puros e cristalinos pensamentos referentes aos mundos superiores.

Os sentimentos mais elevados são, justamente, não os que se instalam ‘por si’, mas os que são conquistados num enérgico labor do pensamento.

O corpo humano possui uma estrutura adequada ao pensar.

As mesmas substâncias e forças que existem no mundo mineral acham-se estruturadas no corpo humano de modo tão peculiar que, graças à sua combinação, o pensamento pode manifestar-se.

Essa construção mineral, que atende à finalidade a que foi destinada, terá neste estudo a designação corpo físico do homem.

A estrutura mineral, ordenada em função do cérebro como seu ponto central, surge por meio de reprodução e recebe sua forma desenvolvida por meio do crescimento.

Reprodução e crescimento, o homem os tem em comum com as plantas e os animais.

Pela reprodução e pelo crescimento o ser vivo se distingue do mineral inanimado.

O vivo nasce do vivo por meio do germe.

O descendente segue-se ao ascendente na série dos seres vivos.

As forças que dão origem a um mineral visam às mesmas matérias que o compõem.

Um cristal de rocha forma-se pelas forças inerentes ao silício e ao oxigênio que nele se acham associados.

As forças que dão forma a um carvalho, devemos buscá-las indiretamente, por intermédio do germe, nas plantas materna e paterna; e aforma do carvalho conserva-se de ascendente para descendente mediante reprodução.

Existem condições inerentes, inatas ao ser vivo.

Foi uma concepção grosseira da natureza aquela que acreditava poderem os animais inferiores, até peixes, formar-se da lama.

A forma do ser vivo reproduz-se por hereditariedade.

O modo como se desenvolve um ser vivo depende de qual tenha sido seu ente paterno ou materno, ou, em outras palavras, da espécie a que ele pertença.

As substâncias que o compõem se alteram continuamente; a espécie continua existindo durante a vida e transmite-se à prole.

Com isso a espécie é o que determina a combinação das substâncias.

Essa força geratriz das espécies deve ser denominada força vital.

Assim como as forças minerais se manifestam nos cristais, a força vital plasmadora se exprime nas espécies ou formas de vida vegetal e animal.

As forças minerais são percebidas pelo homem graças aos sentidos corpóreos — e ele só pode perceber o que lhe facultam tais sentidos.

Sem olhos não há percepção ótica, sem ouvidos não há percepção acústica.

Dos sentidos existentes no homem, os organismos inferiores só possuem uma espécie de tato.

Para eles, só existem similarmente à percepção humana as forças minerais que se dão a conhecer pelo tato.

Conforme o grau de desenvolvimento alcançado pelos sentidos entre os animais superiores, o mundo ambiente— que o homem também percebe — é mais rico e variado para eles.

Depende, portanto, dos órgãos de um ser vivo se aquilo que existe no mundo exterior também existe para ele como percepção, como sensação.

O que ocorre no ar como determinado movimento torna-se, no homem, sensação acústica.

As manifestações da força vital não são percebidas pelo homem mediante os sentidos comuns; ele vê as cores das plantas, cheira-lhes o perfume; a força vital permanece oculta para esta observação.

Todavia, da mesma forma como não cabe ao cego nato o direito de negar a existência das cores, tampouco cabe aos sentidos ordinários negar a força vital.

As cores passam a existir para o cego nato assim que ele é operado; similarmente, passam a existir para o homem, também como percepção, não apenas os indivíduos, mas as espécies de plantas e animais plasmadas pela força vital, uma vez descerrado nele o órgão para tal.

Um mundo totalmente diverso descortina-se ao homem com o descerramento desse órgão.

Agora ele não mais percebe meramente as cores, os aromas e outras características dos seres vivos, mas também a própria vida desses seres vivos.

Em cada planta, em cada animal ele passa a perceber, além da forma física, a forma espiritual plena de vida. A fim de expressar isto, chame-se essa forma espiritual de corpo etérico ou corpo vital.

Ao pesquisador da vida espiritual, estas coisas apresentam-se do seguinte modo: para ele, o corpo etérico não é simplesmente um resultado das substancias e forças do corpo físico, mas uma entidade real e autônoma que conclarna à vida as citadas substâncias e forças.

É no sentido da Ciência Espiritual que se fala ao dizer que um corpo puramente físico por exemplo, um cristal — tem sua forma graças às forças físicas formativas inerentes ao ser inorgânico; um ser vivo não tem sua forma em virtude dessas forças, pois se desagrega logo que a vida o abandona e fica entregue somente às forças físicas.

O corpo vital é uma entidade por cujo intermédio, a cada momento da vida, o corpo físico vai sendo preservado da desagregação.

Para ver esse corpo vital, percebê-lo em outro ser, necessita-se justamente de olhos espirituais despertos.

Sem estes pode-se admitir, por motivos lógicos, a existência do corpo etérico; contudo só é possível vê-lo com os olhos espirituais, tal qual se podem ver as cores somente com os olhos físicos.

Ninguém deveria chocar-se com a expressão ‘corpo etérico’.

O autor do presente livro, ainda muito tempo após a redacão do mesmo (cf. periódico Das Reich, tomo IV, ano I [janeiro de 1917]), chamou também o que vem aqui designado como corpo etérico ou vital de ‘corpo das forças formativas’[Bilde- Kräfte-Leib].

Viu-se induzido a dar-lhe esse nome por acreditar nunca ser bastante o que se pode fazer para evitar a possível confusão entre o corpo etérico, aqui indicado e a ‘força vital’ das antigas Ciências Naturais.

Mas quando se trata de repetir essa velha concepção com argumentos da moderna Ciência Natural, em certo sentido o autor se coloca no ponto de vista dos opositores detal força; pois com esta eles queriam explicar o modo peculiar pelo qual as forças inorgânicas atuam no organismo.

Mas o que atua inorganicamente dentro do organismo não exerce, nele, ação diversa do que no mundo inorgânico.

As leis da natureza inorgânica não são, no organismo, nada diversas do que o são no cristal, etc.

Porém no organismo existe algo que não é inorgânico: a vida formativa.

Essa vida tem por base o corpo etérico ou corpo das forças plasmadoras.

Sua aceitação não constitui, de modo algum, um empecilho à justa missão das Ciências Naturais: observar no mundo dos organismos aquilo que elas observam na natureza inorgânica em matéria de atuação de forças.

E recusar-se a imaginar essa atuação de forças sendo alterada, dentro do organismo, por uma força vital específica é algo que uma uma verdadeira Ciência Espiritual também considera justificado.

O pesquisador do espírito fala de corpo etérico na medida em que no organismo se manifesta algo diverso do que no inanimado.

Apesar de tudo isso, o presente autor não se sente de modo algum induzido a substituir neste livro, o termo ‘corpo etérico’ pelo outro — ‘corpo de forças formativas’ —, pois dentro de todo o presente contexto está excluído, para quem queira ver, algum mal-entendido.

Tal mal-entendido só pode ocorrer quando o termo é utilizado numa explanação incapaz de mostrar este contexto.

‘Éter’ designa aqui algo diverso do hipotético éter da Física.

Aceite-se o termo simplesmente como designação para o que é descrito aqui.

E tal qual o corpo humano, em sua estrutura, é uma imagem de sua tarefa, assim também ocorre com o corpo etérico do homem, que também só é compreendido quando relacionado com o espírito pensante.

Por sua ordenação no sentido do espírito pensante é que o corpo etérico do homem se diferencia do das plantas e animais.

Assim como por meio de seu corpo físico o homem pertence ao mundo mineral, por meio de seu corpo etérico ele pertence ao mundo vital.

Depois da morte o corpo físico dissolve-se no mundo mineral, e o etérico no mundo vital.

Com ‘corpo’ pretende-se designar o que proporciona ‘configuração’, ‘forma’ a um ser de qualquer espécie.

Não se deveria confundir a expressão ‘corpo’ com a forma corpórea sensorial.

No sentido aqui tencionado, a designação ‘corpo’ pode também ser utilizada para aquilo que se configura como anímico e espiritual.

O corpo vital é ainda algo exterior ao homem.

Com o primeiro vibrar da sensação, o próprio ser interior do homem responde aos estímulos do mundo exterior.

Por mais que se procure naquilo que é justificado denominar mundo exterior, não se poderá encontrar nele a sensação.

Os raios luminosos penetram nos olhos e, uma vez dentro deles, propagam-se até a retina.

Ali desencadeiam (no chamado pigmento ótico) processos químicos; o efeito desses estímulos transmite-se pelo nervo ótico até o cérebro, onde têm origem ainda outros processos físicos.

Caso fosse possível observar esses processos, ver-se-iam simplesmente processos físicos, como em qualquer outra parte do mundo exterior.

Se, porém, me for dado observar o corpo vital, aí perceberei como o processo físico cerebral é simultaneamente um processo vital.

Porém a sensação da cor azul, que o receptor dos raios luminosos experimenta, eu não posso encontrar em parte alguma por essa via.

Ela surge tão-somente dentro da alma do receptor.

Se, portanto, a natureza deste receptor se limitasse aos corpos físico e etérico, não poderia existir a sensação.

A atividade pela qual a sensação se torna um fato é essencialmente diversa da atuação da força vital plasmadora.

Mediante essa atividade, uma vivência interior é obtida daquela atuação.

Sem tal atividade existiria um simples processo vital, observável também na planta.

Fonte:
Teosofia
Rudolf Steiner
scribd